Artigo

 Ana Benavente

Socióloga; ex-secretária de Estado da Educação

 O QUE FICA DO QUE PASSA

As tecnologias que agora foram o recurso terão que ser integradas como complemento – e apenas como complemento - numa Instituição social aberta e capaz de responder aos desafios do presente e do futuro. Os professores mostraram que são capazes.

24 de Abril de 2020

Obrigada Eduardo Prado Coelho pelo título que me emprestas. Como eu gostaria que aqui estivesses para ler as tuas crónicas sobre as sociedades pandémicas.

Há muitos anos que diversos autores, no mundo académico, social e político, analisam a globalização e a criação de sociedades de risco, marcando futuros incertos. Poderiam, todos os que têm ignorado o papel da escola na reprodução das desigualdades sociais e se têm oposto à sua transformação pedagógica, ter sido alertados para estes novos tempos. Teriam, talvez, percebido que a escola pública, a escola que faz parte do Estado Social, não pode ser uma máquina de produzir diplomas, mas tem um papel decisivo na formação de jovens responsáveis, autónomos e com espírito crítico, cidadãos intervenientes capazes de viver num mundo que não se antecipa.

Em situação de urgência, ocupadas que andam as políticas com a gestão imediata e sempre a correr atrás dos acontecimentos, vimos, nas últimas semanas – os dados do Inquérito OP.Edu e das diversas análises que têm sido divulgadas, assim o confirmam – professores capazes de responderem, com poucos meios, ao ensino online. A multiplicidade de plataformas e de ferramentas usadas revela o fraquíssimo equipamento das escolas em novas tecnologias, presa que ficou a Gutenberg, ignorando as políticas das novas linguagens digitais que entraram na vida das sociedades e das pessoas e os mais novos não podem ser privados de as tornarem num precioso apoio à informação e à aprendizagem.

Passadas as primeiras semanas até às férias da Páscoa, eis que se inicia o último período num modelo análogo, acrescentando-lhe a televisão, intitulada “estudo em casa” e acordos com o YouTube. Parece que as desigualdades entre alunos das escolas públicas se resumem aos suportes materiais. E a ligação à internet? E os espaços de trabalho? E o apoio dos pais (das mães, em particular, como mostram os dados do estudo do OP.EDU já mencionado) e os jovens que ficam sozinhos em casa? E os que não acompanham as aulas expositivas num código escolar (erudito) que ignora as desigualdades culturais e sociais?

Este período tem uma imitação de escola pública que mantém todas fórmulas que reproduzem as desigualdades, acrescentando-lhes mais algumas.

O que de melhor se pode retirar desta crise é a certeza de que não podem continuar políticas pobres a manter a escola pública à tona de água (e com amianto), a desconfiar dos professores, a poupar nas equipas de profissionais que devem fazer parte da sua vida, a multiplicar inúteis burocracias, a fazer da aula expositiva o centro da sua acção, a espartilhar os saberes em disciplinas, a reproduzir as desigualdades, a manter o insucesso e o abandono escolares como fatalidades, a fazer dos mega agrupamentos a poupança cega de meios materiais, sem cuidar das dinâmicas duma organização em que vivem pessoas. A Instituição escolar exige mudanças e muita clarividência.

As tecnologias que agora foram o recurso terão que ser integradas como complemento – e apenas como complemento - numa Instituição social aberta e capaz de responder aos desafios do presente e do futuro. Os professores mostraram que são capazes. E a opinião pública e publicada? E os responsáveis políticos do Ministério? Brincar às escolas só vale nos tempos livres.

Texto escrito no âmbito de parceria entre o jornal Público e a Associação Portuguesa de Sociologia.

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