Para além dos números

Abrimos este espaço para análises parcelares dos dados obtidos. Serão textos curtos de académicos, profissionais e em particular professores/as, doutorandos/as, educadores/as, pais, mães e demais parceiros educativos. A todos enviaremos convites.

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Ana Benavente, membro da equipa de coordenação do estudo Impacto do Covid-19 no sistema de ensino português, sobre os resultados parciais publicados no dia 8 de abril, parte 3

Comentário: Alunos com menos de 16 anos (453 respostas, 97,6% frequentando escolas oficiais)

Os alunos com menos de 16 anos referem a quantidade de plataforma/ferramentas que os professores têm utilizado para o trabalho escolar. Cerca de metade indicam mais de 40 (quarenta) desses espaços/instrumentos, ver Tabela 18.

Tal dispersão, que impressiona a emigrante digital que sou, só pode ter uma explicação: os professores viram-se obrigados, na urgência, a servir-se dos meios ao seu alcance, treinando rapidamente a sua utilização ou optando por meios mais frequentes, entre os quais o e-mail.

Esta multiplicidade de suportes dá-nos uma boa notícia e outra não tão boa.

A boa notícia é que os professores responderam como puderam às necessidades de continuação do trabalho escolar. Os alunos foram a sua preocupação. Os maus modos iniciais do Ministro avisando-os de que “não estavam em férias” foram escusados.

A notícia não tão boa é a de que, de facto, as novas tecnologias não entraram nas escolas oficiais, nem como complemento do trabalho pedagógico nem tão pouco como suporte para os professores no quadro de uma escola ou de um agrupamento de escolas.

Após esta experiência, veremos como serão lidas estas realidades e qual o futuro desta “brecha” tecnológica.

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Rui Machado Gomes, membro da equipa de coordenação do estudo Impacto do Covid-19 no sistema de ensino português, sobre os resultados parciais publicados no dia 8 de abril.

Comentário – Parte 3 - Tabelas 19, 26, 27 e 31

Uma percentagem muito elevada de alunos do básico declaram que aguentam o tempo que for preciso a ter aulas em casa (70%) e que falam todos os dias com colegas (63%), ou pelo menos de vez em quando (29%), preferentemente por Whatsapp. Este resultado não é surpreendente numa geração nativa digital que se socializou desde cedo quer com as novas tecnologias quer com a atomização e virtualização das relações sociais quotidianas.

A facilidade da transição das relações face-a-face, educativa e de amizade, para a relação à distância, revela os fortes efeitos das tecnologias digitais: os jovens parecem sentir-se seguros e confortáveis na sua insularidade doméstica e tendem a compensá-la através de uma maior intensidade dos contactos pessoais com os amigos.

Este factor amplificou o número daqueles que preferem continuar a aprender em casa (38,8%), embora a maioria continue a preferir voltar à escola (61%). Não deixa de ser também significativo o aumento da preferência pelo estudo em casa à medida que se avança na escolaridade. Neste caso, revela-se, talvez, uma maior adesão a modelos alternativos de escola e educação, em que a aprendizagem autónoma ganha maior protagonismo.

Comentário – Parte 3 - Tabela 20 e Gráfico 3

As mães continuam a ser a principal ajuda no apoio às aulas em casa. Era assim na situação de aulas na escola, é assim nas aulas em casa, confirmando-se a tradicional divisão patriarcal do trabalho de reprodução familiar. Mas confirma também a escolaridade das mães como um dos principais preditores do sucesso escolar dos filhos: quanto maior é a escolaridade das mães, maior é a probabilidade de serem bem sucedidos. Por outro lado, é significativo o valor atribuído à ajuda dos colegas (25,4%) e dos explicadores (19,1%). No primeiro caso, atestando a importância das aprendizagens interpares e grupais; no segundo caso, confirmando o peso minoritário dos explicadores, mesmo em situação incomum de explicação à distância, evidenciando que se trata de um apoio apenas disponível entre as famílias com mais recursos.

Um retrato totalmente diferente resultaria certamente de uma amostra que não sofresse do viés selectivo que, por impossibilidade metodológica e logística compreensível, deixou de fora os alunos com menos recursos, sobretudo os que implicam o acesso à internet, aos meios tecnológicos digitais e aos apoios qualificados dos pais.