Artigo

A vida (?) nas Escolas | Life (?) in schools

Rogério Manita 

Abril de 2019 | April 2019

Introdução ou o papel do ‘elevador’ da Educação

Sabe-se que a ‘cunha’ e, nos tempos que correm, a família (não terá sido sempre?) é em Portugal preponderante para alcançar um bom posto social, mas a sociedade portuguesa tem que se conscientizar que o ‘elevador social’ por excelência é a Educação.

No País o poder, nomeadamente o político, tem demonstrado não respeitar a Escola. Se no discurso a sua importância é ressaltada, a prática é como o algodão: não engana.

A troika e seus reflexos na Escola

Em Relatórios anteriores mostraram-se os números do desemprego na profissão provocado pela crise, através dos dados recolhidos no IEFP que o evidenciaram. Passadas duas legislaturas o corpo docente que persistiu está bastante mais envelhecido. Sofrem os Recursos Humanos dos mesmos problemas que decorrem da falta de investimento nos equipamentos adstritos ao serviço público, com todas as implicações que isso tem.

Segundo notícia do DN de 7/12/18, no ano letivo de 2016/17 dos 107 mil professores das escolas públicas, apenas 424 tinham até 30 anos, menos de 1% do total​​​​​.

No país havia apenas 16 professores com menos de 30 nas cerca de 3700 escolas públicas do 1.º Ciclo e a percentagem de professores com menos de 40 anos era de cerca de 15%.

A proporção dos docentes que tinham 50 ou mais anos passou de 18,3% para 45%, enquanto o peso dos que tinham menos de 30 desceu de 17% para 1,65%. No 3.º Ciclo e Secundário só 0,8% estavam neste grupo, segundo dados da DGEEC in Público (2/8).

O mercado, esse desregulado

É sobre este corpo docente que impendem horários desregulados, trabalhando os professores semanalmente, segundo um inquérito feito pela FENPROF, cerca de 47h. De facto, também em anteriores Relatórios se provou que as horas concedidas para a componente de trabalho individual não eram suficientes sequer para ver testes, considerando um docente ao qual fossem atribuídas 4 turmas com 30 alunos.

Sabendo-se que há professores com 11 turmas atribuídas, facilmente se perceberá a dimensão do problema, a que acresce o facto de ser recorrente que as Escolas não tenham tempo previsto nos horários para as reuniões a que têm de comparecer (Gerais de Professores, Pedagógico, Departamento, GD, Coordenadores de DT, Disciplinares, de Avaliação Intercalar, para implementação dos DL 54 e 55/18).

Não espanta, por isso, que nos docentes a passagem das 40h semanais para as 35 não tenha constituído qualquer problema ou encargo adicional para o Estado.

Também a questão da tão prometida diminuição do número de alunos por turma não foi sentida nas Escolas, não sendo indiferente ter 24 ou 30 alunos na sala, como se entende.

Não espanta por isso que mais de 65 mil professores tenham revelado níveis preocupantes de exaustão emocional, num estudo de Raquel Varela realizado a pedido da FENPROF.

O burnout é sentido, sendo certo que já em 1981, a profissão docente foi considerada uma profissão de risco pela OIT. Os reflexos dessa decisão, em Portugal, não foram sentidos, uma vez que os professores continuam a reformar-se com o mesmo tempo de serviço de qualquer outra profissão.

Aliás, tem vindo a ser relatado a obrigatoriedade de retorno à Escola de docentes com doenças graves, algumas incapacitantes para o exercício de qualquer cargo, só porque juntas médicas (?) determinam que até acamados têm de voltar ao trabalho.

As iniquidades sentidas ou a revolta dos justos

Para além do que se vem referindo sobre o desgaste, há uma sensação de profunda revolta entre os professores face à não contagem da totalidade do tempo de serviço cumprido. Se os funcionários públicos das carreiras gerais tiveram, e bem, o seu tempo de serviço contabilizado, por que razão os docentes o não hão -de ter? Por que razão se quer contabilizar o tempo de serviço de profissões que tem uma carreira específica como se de carreiras gerais se tratasse? Acaso não foi o Estado que as negociou e não se encontram definidas por Lei?

Por que razão não se cumpre a Lei do Orçamento quando estabelece que a negociação deveria ocorrer sobre o prazo e o modo da reposição do tempo e não sobre este?

Choca constatar que no mesmo país profissionais irão ter o seu tempo de serviço contabilizado, e bem, caso dos Açores e da Madeira, e no restante espaço tal não se verifique.

Choca a hipocrisia de um Primeiro-ministro que diz ser pela igualdade salarial entre sexos e que depois promove desigualdade entre cidadãos com a mesma profissão.

Curioso o facto das profissões com as quais mais se tem confrontado serem essencialmente femininas, como a docente e de enfermagem, talvez porque, como se ouviu dizer, ‘sempre tenha tido sucesso com namoradas’, provavelmente por fazer boas cataplanas!

Choca a hipocrisia do Presidente da República, dito dos afetos, que obriga a negociações porque não existiram e depois de continuarem a não existir faz promulgar uma Lei porque é ‘melhor que os docentes tenham qualquer coisa do que nada’!

Choca, tanto mais, quanto se sabe que é professor de Direito e que o DL, para além das referidas diferenças entre cidadãos, cria inconstitucionalidades várias face às ultrapassagens que possibilita entre profissionais do mesmo ofício.

Terá sido por isso que, no seguimento de novas propostas para outras carreiras específicas, já se diz que os docentes poderão optar pelas regras que para elas foram definidas.

Certo é que estamos perante um Governo em que todos serão Centeno, com todas as ambições políticas que tem, nomeadamente de ser presidente de uma qualquer instituição a criar na UE, mas que esquece que só os professores são milhares!

E não se constata que o mesmo dirigente tenha prática de contenção financeira semelhante quando se trata da Banca, que custou à população mais de 18 mil milhões de euros na última década.

Investimento e gestão enquanto miragens

Tudo isto é feito não se investindo, quer em muitas Escolas que têm as suas obras de requalificação paradas, quer nos equipamentos, nomeadamente nos informáticos.

O discurso de investimento e de modernização é, de facto, de fachada.

E que dizer da manutenção da legislação relativa à gestão das Escolas, do tempo da ‘outra senhora’, leia-se Lurdes Rodrigues, que afasta do processo decisório os docentes, não os envolvendo inclusive nas questões de natureza pedagógica?

Será que uma instituição que assenta numa profissão que se distingue por ser colaborativa, na qual a democracia não existe, pois manda o Diretor que tudo nomeia, pode formar cidadãos participativos e interventivos com espírito democrático?

Que dizer da manutenção dos mega -agrupamentos que afastam os alunos do seu espaço de vivência natural e que são aposta contrária à propalada política de proximidade?

Mostrando a sociedade problemas ao nível das violências, não seria melhor apostar numa organização mais próxima para a prevenção e resolução dos que são detetados, sabendo-se que nos países mais evoluídos o caminho vai no sentido contrário ao nosso?

Contraditório é igualmente o discurso da Municipalização em que não se salvaguardam as gritantes disparidades económicas entre Autarquias, com reflexos graves na formação dos futuros cidadãos, não se respeitando os princípios constitucionais nestes domínios.

Acaso a história não mostra, em Portugal como em outros países, que sempre que tal se verifica aumentam compadrio, nepotismo e descriminação, nomeadamente a política?

Não serão disso reflexo os problemas constatados no dia-a-dia nas Escolas como, por ex., nas cantinas e no serviço que oferecem aos jovens que as frequentam?

Conteúdo curricular e ‘master chief’

Tudo isto será, certamente, sentido no âmbito da autonomia, recordando-se os problemas recentes que foram plasmados em relatório sobre o tema, e da flexibilidade curricular. A criação de novo currículo, designado como ‘Aprendizagens Essenciais’, sem qualquer intervenção dos professores, fá-lo divergir da LBSE que prescreve um currículo nacional comum, com atenção a especificidades profissionais, regionais e locais.

A panóplia de documentos a respeitar para a sua consecução prova que a sua conceção foi feita por quem não entende o que é uma Escola e os problemas que nela se vivem, não cuidando de, previamente, discutir a implementação com quem o irá fazer.

Vai nesse sentido o discurso interessante de uma dirigente que, a propósito da nova legislação sobre inclusão, afirmava que o ME não dava receitas, apenas ingredientes.

Percebe-se bem porquê, uma vez que as receitas ficaram com Centeno…

Futuro e profissão docente

Como corolário do que se afirma vem a resposta da sociedade que reage desertificando os cursos de formação inicial de professores de variadíssimas ESE.

Poder-se-ia dizer que as implicações a curto e médio prazo serão graves, tendo como exemplo o que aconteceu em diversos países europeus.

Neles se contratam professores estrangeiros, pois os nacionais há muito que desistiram de todas as vicissitudes de uma profissão de risco. Mas isso escamotearia o que já hoje se sente quando se quer substituir um docente, sabendo-se das dificuldades que as Escolas têm de contratar novos colaboradores. De facto, quem irá optar por uma profissão para a qual se exige uma licenciatura em que se pode ter mais de uma dezena de anos de precariedade?

Depois do que se disse, a profissão, que tem uma carreira de 34 anos, será atrativa? Fala-se de um ordenado mensal inicial disponível de cerca de 1 000€, que no final da vida profissional poderá chegar ao dobro, no caso apresentado quase 45 anos depois, isto se todo o tempo de serviço for contabilizado e se transite nos anos sujeitos a cotas.

Educação em Portugal num glance

Acresce que da equipa que gere a Educação nenhum dos componentes alguma vez teve contacto com a lecionação no EBS.

O Ministro, doutorado em Bioquímica, afastado do país durante algum tempo, embora expert em transformações químicas revelou-se um mau ‘transformer’ na pasta.

A SE, doutorada em Direito e perita em reinterpretações, desde acordos a leis, passando pelo CPA, mas que o Tribunal veio dizer que afinal era capaz de não saber aquilo que fazia, parece ter como ídolo a ‘outra senhora’, algo que já lhe deu dividendos políticos porque subiu no partido, face ao dano que causou à profissão docente.

O SE, doutorado em Linguística, tem trabalhado no TALIS e com os dados do PISA, sendo talvez esta a razão por que tem espezinhado os direitos dos professores, para além de ser expectável que os dados errados sobre carreiras e vencimentos dos docentes, publicados no ‘Education at a glance’, tenham tido a sua ‘linguística’ intervenção.

E é esta a vida (?) nas Escolas, eivada de escolhos criados por muitos que não sabem o que fazem e por outros que bem o sabem!

No final, relembrando dito de saudoso humorista, há que dizer: ai Costa, a vida nas Escolas Costa!...

Rogério Manita .  Biólogo, Mestre em Ordenamento e Planeamento Ambiental, Doutorado em Educação Professor do EBS, Membro da equipa do OP.Edu. Abril de 2019

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