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Educação 2018/2019: Reflexões críticas | Education 2018/2019: Critical Reflections

Novo artigo de Ana Benavente sobre pesquisa, intervenção e debate em educação.

A Educação, tanto no campo académico - investigação e intervenção - como no debate público, quer nos média, quer em iniciativas políticas ou ainda em órgãos que já tiveram, no passado, funções críticas e questionantes, vive tempos muito difíceis.

A actividade do OP.EDU, através do estudo, dos relatos das escolas e da análise das políticas, permite-nos caracterizar a situação actual do seguinte modo:

- Pesquisa em Educação fragmentada = conhecimento fragmentado.

Porquê?

.Pela competição entre Centros de Investigação que procuram assegurar os seus financiamentos e a vida institucional,

. pela evolução das Ciências da Educação que, na procura de especialização e de afirmação académica, foram perdendo sentido, tanto na influência sobre as políticas como na vida educativa formal e não formal

. pelo fechamento entre campos disciplinares, o que reforça a fragmentação do conhecimento e impede a análise pertinente da realidade educativa,

. pelos financiamentos que marcam a agenda da investigação, para o que tem contribuído o estatuto do Ensino Superior com os seus indicadores de publicações, de papers e de tarefas burocráticas.

- Intervenção educativa desvalorizada . Se a investigação acção e o trabalho com os parceiros educativos já foram reconhecidos como dimensões importantes de produção do conhecimento, hoje a intervenção financiada traduz-se em recolha de dados sem retorno, em formações repetidas, em projectos com grande carga burocrática no que diz respeito às escolas e em actividades dispersas – sempre com excepções, bem entendido.

- Debate Educativo empobrecido. Basta ler os jornais, as tv’s e acompanhar as redes socais para nos apercebermos de que os temas dominantes são, hoje, a carreira docente, os manuais (e não os materiais escolares, atenção), os manuais e as suas atribulações, os exames e rankings, com uma situação de bullying aqui e ali e algum outro acontecimento ocasional.

- Políticas liberais promovidas pelos governos conservadores, mas continuadas e apenas levemente revertidas pelos governos social-democratas, como se os primeiros lhes permitissem, afinal, assumir medidas que o quadro ideológico em que se movem não anuncia nem cauciona. Ficamos sempre pior. Temos também que agradecer à OCDE as suas avaliações, tão bem recebidos pela opinião pública e que vieram naturalizar a educação como e apenas como uma dimensão económica da vida individual e colectiva.

Silenciosamente, as políticas vão mudando, sem revolta organizada, a face duma instituição escolar que quisemos e queremos emancipadora e cidadã, de difícil construção, todos o sabemos.

Todos sabemos também que, quando a investigação deixa de ser apoiada por Agências que asseguram a sua autonomia, outras organizações ocupam o espaço. Na Educação, foram as fundações privadas ligadas a grandes empresas que têm vindo a marcar a agenda com uma divulgação quase constante nos media.

Também as instituições europeias têm marcado temas e lógicas de financiamento no campo das ciências sociais e humanas, contidas em processos altamente especializados e formais.

Isto acontece num período em que as políticas neo-liberais que marcaram a crise mas que já vinham a ser desenvolvidas antes disso, mantêm os aspectos mais gravosos e estruturais da vida educativa, cultivando uma aparência de modernização e de medidas materiais positivas (caso dos manuais escolares que reforçam a escola expositiva do passado), marginalizando ao mesmo tempo, dimensões decisivas para a democracia.

Temos hoje uma Instituição escolar que mantém as reprovações (que acreditei, pela sua natureza de produção escolar socialmente desigual e pedagogicamente negativa, que desapareceriam nos anos 80) que se orienta por rankings externos e internos, que não constitui, na sua organização, um espaço de vida democrática, que cultiva a concorrência e o individualismo como valores que informam as suas práticas. Há excepções, há boas práticas, mas são hoje menos numerosas e significativas, mais sectoriais e isoladas.

Não acabou a “resistência” e a inovação, mas andam fracas, cansadas e dispersas.

Claro que, consultando relatórios governamentais, embora os indicadores apontem falhas, tudo parece estar assegurado: A Educação Para Todos, a Escola Democrática, a Cidadania.

Algumas das políticas que considero gravosas para a Instituição Escolar e que se têm vindo a “naturalizar”, são as seguintes:

- A municipalização, com o seu cortejo de desigualdades e de outras perversões democráticas (nuns casos poderá ser excelente, noutros poderá haver partidarização e empobrecimento das escolas e as democracias não deixam a Instituição Escolar ao acaso dos poderes locais). Acrescente-se que os Conselhos Municipais de Educação são, hoje, órgãos que representam serviços oficiais que um governo do PSD criou para substituir a participação social assegurada pelos Conselhos Locais de Educação desenvolvidos e apoiados em governos do PS.

- Os mega - agrupamentos de escolas: os agrupamentos iniciaram-se como uma medida pedagógica para articular os ciclos da escolaridade obrigatória e ultrapassar a “corrida de obstáculos” que esta constituía. Mais uma vez, os mega - agrupamentos, embora acarinhados pelo actual governo, foram criados com o pretexto da crise e para poupar dinheiro em educação. Esses “mega” destruíram a identidade de cada escola, os seus serviços e as suas equipas. Porque não se reverte esta política?

- A seleção precoce dos alunos, penalizando os que que vêm das culturas não letradas, criando “eleitos” e “excluídos” desde muito cedo, como mostram abundantemente os dados estatísticos, reproduzindo desigualdades onde o direito de todos a aprender já devia ser uma realidade.

A gestão das escolas parece ter esquecido para sempre o seu carácter democrático de equipa, a educação de adultos deixou de lado o conceito de “permanente” e de “popular” para se centrar nas “reorientações” profissionais.

Os professores vivem, em escolas em que a falta de funcionários é cruel, com pesadas cargas burocráticas que reforçam as dificuldades de uma profissão espartilhada entre normas, regras, ordens, programas e avaliações, documentos sucessivos e em que o trabalho educativo se torna difícil.

Nos discursos políticos e mediáticos, no campo educativo, abundam conceitos do neo - liberalismo, com particular destaque para o terrível “capital humano”. São muitos e não são neutros.

O neo-liberalismo veio para ficar. Entre os documentos oficiais e suas intenções e as práticas vai um mundo a que não é alheia a formação inicial e contínua de professores.

Neste contexto, torna-se urgente conhecer e apoiar os espaços de liberdade que a Instituição Escolar e os espaços de educação não formal ocupam de modo portador de futuro, contrariando este “retrato” de uma escola presa em si própria e incapaz de responder aos desafios das pessoas e da sociedade do sec.XXI.

A equipa do OP.EDU voltará a estes temas. Ana Benavente. OP.EDU, abril de 2019

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