Artigo

De portas abertas | With open doors

Rogério Manita. Artigo publicado em junho de 2013

Onde se fala de linhas vermelhas e das crianças e dos jovens, o principal do país

Ouvi, da parte de S. Exa. o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, o apelo aos professores para não fazerem greve.
Concordei de imediato!
Logo pensei que S. Exa. nos vinha dizer que não tinha sentido requalificar os docentes. Estes já têm um curso superior!
Muito menos colocá-los em mobilidade especial.
Teria acordado com o Sr. Primeiro-Ministro, pois este já o disse publicamente, que nenhum professor do quadro seria a ela sujeito.
Mas não! Nada ouvi nesse sentido!
O que se sabe é que se quer regulamentar a dita ‘mobilidade especial’ para os docentes. Ora, se não se aplica, para quê regulamentá-la?
Por outro lado, ainda pensei que nos viesse dizer que os professores têm uma carga horária semanal que, de facto, já ultrapassa as 40h.
Mas também não! Também nada ouvi nesse sentido!
Lembrei-me então de uma ‘linha vermelha’.
A tal que não podendo ser ultrapassada, tem um conteúdo que, se tiver que ser, tem que se aplicar.
Bem sei que, fora esse conteúdo, muito pior se encontra já definido para acontecer.
Mas isso será em relação aos mais velhos, que são, acredito, apenas o 2.º melhor do país!
Em relação aos professores sabe-se que despendem por semana bastante mais que as 35h de trabalho semanais atribuídas.
Para o demonstrar deixo a seguir um texto explicativo.
Por isso não entendo como ainda se pretendem atribuir mais horas a estes profissionais.
Para além da justiça e da ética que devem estar presentes numa relação laboral, é a qualidade do trabalho que está em causa, uma vez que é preciso ter tempo…
E por isso digo a S. Exa. que, de facto, as crianças e os jovens constituem o principal do país, mas não apenas nos dias de exame…
Deste cidadão professor, com um dos filhos envolvido nos exames nacionais.


Contribuição para a desconstrução de uma falácia…
Há por aí, como sabemos, determinadas ‘verdades’ que, de tantas vezes serem repetidas, até parece que são verdadeiras.
Vou procurar desconstruir uma delas relativa ao horário dos docentes.

Diz-se que os professores nem 35h semanais trabalham, uma vez que a sua Componente Letiva (CL) é de 22h, ou mesmo menor, se se falar dos que têm maior antiguidade.
Vejamos o que esconde a afirmação.

Hoje, um docente até aos 50 anos no 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e no Secundário tem 22h de CL e 13h de Componente Não Letiva (CNL), perfazendo as 35h semanais.
A legislação define que, das 35h, 3 Tempos Letivos (TL) da CNL são para o trabalho na escola – funções referidas no art.º 82 do Estatuto da Carreira Docente (ECD) – entre as quais se encontram as reuniões.
Estas são várias: Departamento, Grupo Disciplinar (GD), Conselhos de Turma (CT) – as atribuídas ao docente, incluindo intercalares (a meio dos períodos) e de caráter disciplinar – bem como todas as outras necessárias.
No GD serão preparatórias e subsequentes de cada Conselho Pedagógico (CP) e as que discutem questões das disciplinas lecionadas, incluindo as de planificação.
Cada reunião tem duração definida de duas horas, não se contabilizando o tempo quer de preparação (documentos têm de ser lidos, elaborados…), quer de realização do decidido (reuniões servem para algo…).
E haverá só uma destas reuniões por semana?
Na hora sobrante, das 3 referidas, atribui-se uma das tarefas descrita no citado art.º 82.
As restantes 10h são, em princípio, trabalho individual.
O docente terá até 8 turmas (este n.º tem vindo a aumentar), uma vez que variam consoante as horas semanais das disciplinas a lecionar.
Falando do Secundário, no qual trabalho, estabeleço a média de 4 turmas/docente, cada uma com 30 alunos (este n.º também tem vindo a aumentar, mais do dobro de qualquer ação de formação profissional), sabendo que as médias são terríveis!
Para corrigir testes num período, no mínimo 2, tem-se: 4Turmasx30Alunos=120Testes; 120Testesx2=240Testes.
Para a correção, dando-se 30min para cada, tem-se: 240Testesx30min=120h.
Tendo em conta os 3 períodos letivos, tem-se: 120hx3Períodos=360h.
Neste ano letivo foram 13+10+10=33Semanas de aulas, pelo que considerando as 10h semanais atribuídas na CNL tem-se: 33Semanasx10h=330h.
Isto é, faltarão 30h só para corrigir testes…
Acresce que até têm de ser elaborados, reproduzidos, recolhidos…
Registo que não contabilizei até aqui a preparação de aulas!
E há que as preparar…
Os trabalhos, temáticos e os de casa, têm de ser corrigidos, as aulas laboratoriais têm de ser concebidas e preparadas, as visitas de estudo têm de ser organizadas…
Com a falta de auxiliares existente nas escolas já se exige aos professores que lavem o material e deixem as salas prontas para serem utilizadas pelo próximo colega…
Então a questão não estará nestes professores, mas sim nos ‘maiores de 50’, porque têm redução da CL, estando aqui, de certeza, o problema…

Vamos então ver o que se passa com aqueles!
Sublinho que os cargos existentes na escola só podem ser atribuídos a estes docentes uma vez que os outros não têm horas para tal, pois no ‘tempo da outra senhora’ (leia-se Dr.ª Lurdes Rodrigues) foi estipulado que deveriam ser desempenhados na CNL.
Seria até útil que quem agora fala em acabar com a redução da CL para os professores mais antigos percebesse que iria ter de nela atribuir as horas para o exercício dos cargos, o que não representaria qualquer ganho de per se…
Faltam horas na CNL para os cargos, não podendo ser todos nela atribuídos aos que ficaram, pois são cada vez menos devido às reformas, verificando-se até utilização de horas de apoio aos alunos para esta finalidade.
E há que salientar que para a maioria dos cargos se estipulam duas horas da CNL para o seu desenvolvimento!
Dou o exemplo do de Coordenador da Saúde, que envolve o da Educação Sexual, área que tenho vindo a trabalhar no doutoramento que desenvolvo.
Com os Mega Agrupamentos, aqueles professores coordenam agora todos os níveis de ensino, do Pré-Escolar ao Secundário.
Basta uma reunião mensal com cada um dos níveis para que se esgote tal tempo.
E não se preparam as reuniões? Não se trabalha o que delas emana?
Se as horas são para coordenação e assim se esgotam, em que tempo se trabalha?
Não se preparam as atividades? Não se despende tempo a contactar intervenientes para as realizações? Não se organizam as visitas de estudo?
Por último, há que desmistificar a também peregrina ideia que os professores têm muitas férias, entendendo-se que é isso que acontece em cada interrupção letiva.
Para além das reuniões de avaliação (4x3h=12h, no caso apresentado), do trabalho administrativo, p. ex. atas, uma vez que, no mínimo, cada um secretaria uma reunião, contabilize-se o tempo de preparação – atribuição de classificações a 120 alunos nas várias componentes (testes e fichas, trabalho de aula, envolvendo o prático, e fora dela, atitudes e valores) – 30h, considerando, no mínimo, 15min/aluno. E vão 42 neste caso!
Cada paragem tem 9 dias (63h) e para além do descrito há que assegurar o secretariado das reuniões, preparar o período seguinte, delinear o planeamento para discussão com os outros colegas do GD, preparar aulas e atividades e fazer a avaliação do trabalho desenvolvido.
No que respeita ao início do ano, regresso a 3 de setembro para quem gozou férias em agosto, envolveu igualmente 9 dias, no máximo.
Reuniões de departamento, de GD (planificação, definição do Plano Anual de Atividades (PAA), distribuição de serviço), dos CT (primeiro conhecimento dos alunos, da turma e discussão de estratégias), Reunião Geral de Professores (RGP)…
Faz-se ainda alguma formação interna e preparam-se aulas e atividades do início do período (recolha e organização de materiais, bibliografia…).
O final do ano envolve as últimas avaliações, com o já descrito para as anteriores, elaboram-se termos, fazem-se exames e vigilâncias e o secretariado das provas internas e externas, que se prolonga agosto dentro.
Constituem-se turmas, desenvolvem-se ocupações de tempos livres para os jovens, elaboram-se relatórios das atividades desenvolvidas e toda a burocracia relacionada com a Avaliação do Desempenho Docente (ADD), frequentam-se ações de formação, faz-se o inventário de recursos…
Realço, no final, que em muitos países da UE os docentes têm 8 semanas de férias, terminando o trabalho com o términus do ano letivo dos alunos, ou na semana seguinte.

Espero ter contribuído para a desconstrução da falácia.
Claro que tal não evita que se continue a dizer o que se quer, pois os objetivos de quem o diz, às vezes, são insondáveis…
Em educação, até se diz que há professores a mais…
E havia tanto para dizer a este nível, como se explica na ‘Educação, levanta-te e luta’.
Não estaremos a falar do melhor do mundo, que são as crianças e os jovens… Rogério Manita

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