Artigo

Educação: Levanta-te e Luta! 2 anos de governo de direita ao serviço da troika | Stand up and fight - 2 years of right-wing government at the service of the Troika

Ana Benavente e Paulo Peixoto (coordenadores). Ana BenaventeGraça Aníbal, Manuela Jacinto, Paulo Peixoto, Rogério Manita, Rosa Nogueira, Sandra Queiroz, Teresa Macara e Vasco Graça  (autores). Documento publicado em abril de  2013

Este documento, intitulado “EDUCAÇÃO: LEVANTA-TE E LUTA” apresenta números, factos e realidades que traduzem a situação da Educação em Portugal em 2013.
Este documento é um contributo para a defesa do Estado Social que determina a sociedade e o seu desenvolvimento, sendo que nenhuma das outras dimensões do Estado Social pode ser excluída.
É importante ter em conta que, em todas as realidades que envolvem dinâmicas coletivas, a construção é lenta, complexa e difícil, plena de avanços e recuos, mas que a sua destruição pode ser muito rápida, devastadora e de retrocessos incontroláveis.

No dia 3 de maio de 2011, o governo Sócrates assina um acordo com a troika: UE/BCE/FMI. Contra o empréstimo de 78 mil milhões de euros, o país fica com o estatuto de “intervencionado” e perde a sua soberania política para os grandes credores financeiros. O primeiro-ministro garante que “vai virar a austeridade para o Estado e não para as pessoas” e que não haverá mais cortes na função pública nem nas pensões. A 21 de junho de 2011, é eleito Passos Coelho, do PSD, que constitui governo com o CDS/PP.
• Inicia-se então um “tsunami” sobre o Estado Social incluindo a Educação. Portugal foi, desde a intervenção da troika, o país que mais cortou nas prestações sociais: cortou cerca de 7,4%, ficando longe da média europeia. O PIB desceu mais de 2,3 pontos percentuais só neste último ano e as previsões do governo são regularmente revistas em baixa.
• A Educação, apesar de se manifestar e de ainda aparecer noticiada na comunicação social, é bastante menorizada tanto política como socialmente, quer na Assembleia da República quer nos movimentos cívicos que têm vindo a constituir-se na sociedade portuguesa.
• Portugal é um país frágil e a Educação não escapa a essa fragilidade. Já a Espanha fascista tinha 10 anos de escolaridade obrigatória nos anos 70 (ver Projeto Social do Mediterrâneo, OCDE) e entre nós ainda se trabalhava para a prolongar de 4 para 6 anos. Passámos de 1,4% do PIB para a Educação em 1972, para 4,6% em 1995, até atingir 5,7% em 1998 (OCDE, Education at a glance, 2001). Houve, em democracia, compromissos políticos claros no sentido de valorizar a qualificação dos portugueses. Atualmente, países como a Suécia rondam os 7% nas despesas com a Educação. Porém, em 2012 essa percentagem desceu, em Portugal, para 3,8%, SENDO actualmente A MAIS BAIXA DE TODA A UNIÃO EUROPEIA.
• A Educação, segundo Passos Coelho, está menos “blindada” pela Constituição da República Portuguesa – última barreira contra a barbárie – do que a Saúde e está, por isso mesmo, muito mais ameaçada. O chamado Relatório do FMI de 2013, encomendado e escrito por diversos técnicos e responsáveis portugueses, designa-a como um CUSTO. Ora a Educação é antes de mais um INVESTIMENTO na qualificação das pessoas e, portanto, na qualificação da própria sociedade e do seu futuro.


Este documento aborda os seguintes pontos:

1- Ao que chegámos!
2- Da Escola aos mega agrupamentos
3- (Des)caminhos curriculares
4- Ensino Superior - Ver Lisboa? Nem por um canudo!
5- Professores tr/oik/cidados
6- A Pobreza na Escola
7- Educação de Adultos: não há 2ª oportunidade
8- Para onde nos levam?

Num “caminho descendente”, de cortes e de transformações, de pobreza e de desigualdades que ameaçam a escola pública, “Educação: Levanta-te e Luta” assume-se como um grito de alerta.

1. Ao que chegámos!

A dispensa de milhares de professores, a gestão dos mega agrupamentos ao estilo privado, reforçando o poder dos diretores, a metodologia da concorrência entre escolas, o aumento de horas de trabalho dos professores, a ênfase curricular nas disciplinas de carácter mais instrumental, com menorização da formação do aluno, são as medidas mais evidentes do programa ideológico que se vai instituindo em Portugal.
No Estado Novo, o sistema de ensino estruturava-se em duas fileiras de ensino: uma para a formação das elites (o liceu) e outra para a formação do “capital humano” (escolas técnicas). A Revolução de Abril acabou com estas vias, procurando um sistema democrático que propunha diferenciações várias e flexíveis. É esta realidade que se põe em causa quando se quer impor um “sistema dual alemão”, como afirmou o ministro da Educação numa conferência em Berlim.
No sentido de uma seleção precoce, foram já criados exames nacionais em todos os graus de ensino, de modo a que os alunos com resultados inferiores sejam enviados para a “segunda via”, degradando assim o estatuto da formação profissional.
O que está em causa é uma mudança do projeto de sociedade com base em opções ideológicas da elite que sustenta o poder.
A crise económica e financeira que sujeitou o país à condição de refém das agências internacionais (FMI, BCE e UE) está a servir de pretexto para um ataque à escola pública, configurando mesmo uma profunda alteração do sistema de ensino português.

Nos últimos dois anos, o orçamento para a Educação desceu de 5,7% do PIB para 3,8%. Em 2010 e 2011, o número de professores desempregados aumentou 120%. A Educação foi o setor que mais cresceu no número de inscritos nos Centros de Emprego: 225%, comparando os números de 2009 com os de 2011 (Relatório do IEFP).

Esta exclusão em massa é feita à custa do aumento do número de alunos por turma, da concentração de escolas em mega agrupamentos, do aumento das horas de trabalho dos docentes e da extinção de disciplinas não curriculares (Estudo Acompanhado e Área de Projeto que preparam para a vida e não apenas para exames a curto prazo), e a menorização de muitas outras, do Desporto/Educação Física à Educação Artística, da Educação Cívica à Educação para a Saúde.
Tudo é justificado com os CUSTOS mas a despesa em Educação é, hoje, a mais baixa da União Europeia.
Quanto aos resultados, que só são avaliáveis a longo prazo, é bom assinalar que o estudo do PISA vem demonstrando uma melhoria dos conhecimentos dos alunos em leitura, matemática e ciências, situando-se agora Portugal na média dos países participantes no programa da OCDE. No Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), os resultados de 2011 indicam que os alunos do 4º ano obtiveram em Ciências 53 pontos, sendo a média internacional de 48, ultrapassando a Bélgica ou a Noruega. Em Matemática atingiram 59 pontos numa média internacional de 50, à frente da Áustria, da Dinamarca, da Alemanha, da Irlanda, da Itália, da Noruega, da Espanha e da Suécia. Dos 50 países que participaram neste estudo, Portugal ficou respectivamente em 15º e em 19º lugar. Temos, assim, um padrão de crescimento, desde os anos 90, superior ao da média da OCDE, ao contrário do que anunciam os “profetas da desgraça”. Tem sido um caminho sustentado na resolução do atraso educativo português.
Estes dados não são ocultados ou menorizados por acaso. Com o falso pretexto do “insucesso” do sistema, pretende-se atingi-lo no âmago da democracia social. Assinalemos que não há sequer uma linha sobre a integração das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais, questão incontornável no que toca aos avanços civilizacionais maiores.
“Todo o poder à economia”, advogam os atuais poderes, esquecendo o desemprego galopante, a emigração dos jovens qualificados - com elevadíssimas taxas de desemprego - um mercado de trabalho que não sabe o que significa “economia do conhecimento” mas que se agarra à super exploração dos trabalhadores com o salário mínimo mais baixo da União Europeia. O problema é mundial e europeu, certamente, mas cada país conta a sua história e a sua realidade.
Todos os documentos da OCDE, do Banco Mundial, do FMI e da UE repetem a necessária “competitividade” na formação escolar, com cortes no pessoal, com orçamentos restritivos, com uma escola cuja oferta é cada vez mais pobre.
No ponto 4.0 do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, na sua atualização de Setembro de 2011, revela-se que “o que tem em vista o combate à baixa escolaridade e ao abandono escolar precoce é, tão só, melhorar a qualidade da formação humana e facilitar a adequação ao mercado de trabalho”. Não é um projeto para uma sociedade democrática com plena cidadania.

2. Da Escola aos mega agrupamentos

A 'implosão' do Ministério da Educação (MEC), que o Ministro repetidas vezes prometeu1 e outras gradas figuras do PSD2 conclamam, tem-se concretizado, com visíveis resultados. A junção dos dois anteriores departamentos do Estado responsáveis pela Educação e Ciência acelerou a estratégia neoliberal para desorganizar e anquilosar o aparelho estatal.
Acentuam-se os processos de centralização e burocratização.
A Lei Orgânica do MEC incluindo a extinção das “Direções Regionais de Educação”, na forma como se concretizou, constitui também um passo relevante neste processo.

Esta destruição do setor educativo do Estado para além de pretender facilitar o esboroamento do ensino público tem também como objetivo a criação de “nichos de negócio” na administração da Educação. O Programa do Governo prometia "o acesso ao conhecimento e a experiências exteriores, em particular contratualizando com parceiros da sociedade civil" e tal tem vindo a ser concretizado com o recurso a dispendiosas “consultorias” e “outsourcings” perspetivando acentuar-se com a antevista “autonomização” do Ministério em relação às Escolas.

O que está hoje a ser construído traduz a aplicação dos princípios neoliberais em que a concorrência, a avaliação, a regulação e a competitividade são sacralizadas, em que o “mercado” e a iniciativa privada (agora batizada de empreendedorismo) são mobilizados para que conceitos como “rede nacional” ou mesmo “serviço público” se sobreponham ao de “rede pública de estabelecimentos de Educação e ensino” constitucionalmente consagrado.
Trata-se, efetivamente, da “descentralização” de um “modelo de negócio educativo” em que o Estado se liberta das escolas públicas.
Algumas das medidas que têm sido adotadas no âmbito da organização e gestão das escolas convergem para este objetivo.
Desde logo, a criação e agregação de “mega agrupamentos de Escolas” constitui-se como um aspeto essencial para a desqualificação do ensino público. A criação dos mega agrupamentos verticais, muitos dos quais com mais de 2.000 alunos, alguns com mais de 4.000 alunos, tem contribuído para a descoordenação pedagógica, para a “desumanização” do clima escolar (hoje, as secretarias podem ficar a quilómetros das escolas, numa sede de agrupamento e diversas competências são para aí transferidas, desenraizando as dinâmicas escolares dos seus contextos).

Os mega agrupamentos representam a perversão absoluta do projeto originário dos agrupamentos escolares que visava requalificar a Escola pública conferindo-lhe condições organizacionais adequadas a uma vivência pedagógica, participada e democrática.

Assiste-se a uma sobrevalorização de procedimentos burocráticos, ao privilegiar as lógicas administrativas em vez das educacionais, a complexificação de hierarquias e redes organizacionais, a hiper-regulamentação e sobreocupação do quotidiano de quem vive a Escola.
Nesta complexificação da gestão dos mega agrupamentos em que se privilegiam as componentes administrativas, os docentes são sobreocupados numa pouco útil proliferação de tarefas e reuniões criando-se a convicção geral que a direção de tão emaranhada realidade só pode ser assumida por profissionais muito especializados e experientes.
A “avaliação” tem sido instituída como um complicado instrumento de controlo e de seleção mais subordinado a necessidades financeiras, estatísticas e outras do que a intentos formativos e a melhorias de práticas.

A arbitrariedade e a precarização de emprego, instituídas para um número crescente de professores, acentuam uma divisão profissional inaceitável e tendem a consagrar no interior das escolas subordinações, dependências e medos incompatíveis com um clima democrático e participativo indispensável ao fomento das aprendizagens.
Isto tudo contribui para a tendencial perpetuação nos cargos dirigentes e abre terreno à justificação para a existência de “gestores profissionais” à frente das escolas. Mas contribui também, objetivamente, para uma crescente dependência dos Conselhos de Gestão e dos Diretores face às Câmaras Municipais, verificando-se já em alguns Municípios uma efetiva partidarização daquele cargo.
É neste quadro que o Governo dá passos concretos para a transferência de competências da Educação para as Autarquias. O protocolo recentemente celebrado entre O Ministro da Educação e a Câmara de Cascais assume-se como um projeto-piloto de um processo de transferência de competências relativas a toda a educação básica e ensino secundário que o governo deseja ver rapidamente generalizado.
É sintomático que, neste “estudo estratégico pioneiro”, seja dada uma especial atenção à “gestão dos recursos”, incluindo professores e trabalhadores auxiliares, assim como à “redução global de custos”.
Quando é conhecida a dificuldade que a maioria das Câmaras tem em contribuir para as dinâmicas educativas locais, (em termos gerais, os Conselhos Municipais de Educação são um exemplo de inoperância e burocracia inútil), o “salto em frente” projetado pelo Governo mais se assemelha a um salto para o abismo.

E o projeto específico “Escola Segura” da responsabilidade do Ministério da Educação que tão bons resultados demonstrou na segurança dos alunos e da comunidade educativa desapareceu como tal? Com que consequências?

É fácil compreender que o percurso iniciado pelo MEC visa inviabilizar a autonomia das escolas, desorganizar e desinvestir na Escola pública e desqualificar o ensino da generalidade das crianças e jovens.
É a opção por um caminho que, em nome da ”livre escolha” e da suposta “ineficiência do Estado” irá enveredar, também neste setor social, pela senda das parcerias público-privadas e das privatizações.

3. (Des)caminhos Curriculares

Legitimadas pelo ambiente de “crise” vivido em Portugal como noutros países europeus, damos conta de mudanças nas disciplinas, nos conteúdos programáticos e nos recursos curriculares, acompanhadas de alterações estruturais, consignadas no DL nº 139/2012 de 5 de julho e num conjunto de despachos regulamentares. Entre as intenções declaradas, o “pedagogicamente correto” e a realidade, a distância é imensa. Com efeito, as medidas adotadas vão ao arrepio das intenções legisladas.
Assistimos a uma sobrevalorização de um núcleo duro de disciplinas: o reforço do português e da matemática, aumentando o número de horas de cada uma dessas disciplinas nos 2º e 3º ciclos do ensino básico e a atribuição de cargas horárias semanais definidas como os tempos mínimos para lecionar o programa do 1º ciclo em língua portuguesa, matemática e estudo do meio.
Este desequilíbrio do currículo na perspetiva da formação integral básica desvaloriza as áreas das expressões e a formação cívica. As áreas não curriculares, orientadas para a aquisição de hábitos de estudo e de trabalho responsável são agora limitadas aos alunos que “tenham maiores dificuldades”, transformando-se em fator de remediação para alguns e não de formação plena para todos.

O que tem vindo a acontecer com o Desporto Escolar no qual tanto se investiu para a integração e socialização positiva de todos os alunos?

Fingindo que cumprem a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86 com as alterações introduzidas até 1999), varrem todas as opções que não se enquadram no núcleo duro da escola tradicional.
Com efeito, as componentes curriculares “que contribuam para a promoção integral dos alunos em áreas de cidadania, artísticas, culturais, científicas ou outras (DL 139/2012, Art.12º, pontos 1 e 2) previstas para os 2º e 3º ciclos, tornam-se eventuais e a sua oferta “deve ser efetuada através da utilização de um conjunto de horas de crédito, definidas em despacho normativo do membro do governo responsável pela área da Educação”. Ou seja, contingentes e centralizadas, contrariando a autonomia das escolas, estas atividades educativas passam a ter um carácter aleatório.
A diminuição drástica do número de professores prejudica fortemente o apoio aos alunos e o desenvolvimento de atividades diferenciadas. O mesmo acontece com o aumento do número de alunos por turma, criando uma pressão para a conformidade e para o ensino expositivo tradicional em que se ensina a todos como se fossem um só e o mesmo. Há muitos professores que, pela diminuição das horas das suas disciplinas, vão de escola em escola e se dispersam entre mais de 13 turmas.
As alterações curriculares não se ficam por aqui. Prevê-se a criação temporária de grupos de homogeneidade relativa (o que significa? A fusão de duas ou mais disciplinas numa só?) em disciplinas estruturantes, no ensino básico, atendendo aos recursos da escola. Os recursos da escola voltam assim a marcar a qualidade do trabalho escolar.
Por outro lado, prevê-se agora um ensino vocacional precoce (Art.º 6º ponto 1, alínea f do DL já referido), a partir do 4º ano de escolaridade, desde que neste ciclo se verifiquem duas retenções (leia-se reprovações). Tal medida é divulgada como visando o “sucesso escolar” (Art.º 21º). Sob a capa da “reorientação” de alunos com insucesso escolar e/ou problemas de integração na comunidade educativa, estamos perante uma situação da maior gravidade: a exclusão para vias profissionalizantes, sob regulação das escolas e de acordo com as orientações ministeriais dos alunos que, por razões várias, e, em primeiro lugar, por pertencerem a meios de cultura não letrada - os filhos do analfabetismo – não se integram na escola rígida e uniforme, uma escola tradicional e igual para todos em que é suposto que todos aprendam a mesma coisa, ao mesmo tempo e da mesma maneira. Trata-se de um retrocesso civilizacional que não pode passar em silêncio.
A par com estas medidas, claramente orientadas para uma escola para as elites e outra para o povo, criam-se exames nacionais no 4º ano, no 6º e no 9º anos, nas disciplinas de língua portuguesa e de matemática. Retirando todo o sentido da profissão docente e ignorando os avanços das ciências sociais e humanas, afirma-se que tais exames “asseguram uma articulação entre currículo e avaliação e constituem um elemento de referência que reforça a sistematização do que se ensina e do que se aprende”. A pretexto do rigor e da valorização dos resultados escolares, multiplicam-se os níveis avaliativos – internos, externos, dos alunos, dos professores e das escolas, tudo isto num discurso confuso e prolixo, traduzido em metas curriculares formais e em múltiplos despachos.

Os processos de aprendizagem desaparecem, bem como o desenvolvimento de competências, e apenas se afirma fortemente um modelo empresarial da gestão da Educação. A meritocracia – e não a Escola para Todos – mas apenas para os que a “merecem” revela-se numa escolaridade posta ao serviço do mercado de trabalho, desvalorizando a formação integral das pessoas – crianças e jovens. É, muitas décadas depois, a afirmação despudorada da escola da reprodução social, traduzindo as desigualdades sociais em “mérito” individual.

Trata-se, no Portugal de 2013, de uma reforma educativa maquilhada, de uma mudança em curso em função de um entendimento elitista de “para que serve” a Educação no presente e no futuro da sociedade portuguesa.

4. Ensino Superior - Ver Lisboa? Nem por um canudo

É conhecida, na linguagem popular, a expressão “ver Braga por um canudo”. O monóculo do Bom Jesus, em Braga, foi apropriado de forma analógica pelo senso comum nacional para dar conta de duas realidades recorrentes. Por um lado, para se referir às coisas que apenas podemos ver à distância sem que as possamos tornar nossas. Por outro lado, num sentido mais critico, para dar conta das circunstâncias em que vemos expectativas que consideramos legítimas serem goradas. Ficar a “ver Braga por um canudo” é desejar algo e não o conseguir. É ter a deceção de constatar que, afinal, não vamos chegar onde julgávamos ser possível. É ficar mais longe do que já estivemos mais perto. Retomo esta expressão trivial para, de forma analógica, retratar a situação do ensino superior em Portugal.

O atraso estrutural que Portugal manteve em relação à Europa sempre nos colocou muito longe de uma realidade que poderíamos ver - porque, afinal, estava geograficamente perto de nós -, onde desejávamos chegar, mas que se afigurava como que inalcançável - de tão longe que nos encontrávamos em termos de padrões de comparação em vários planos.

A nossa adesão à CEE mudou este horizonte de lonjura e foi abrindo janelas que, aos poucos, nos colocaram em patamares de aproximação.

O crescimento do sistema nacional de ensino superior, ainda que com desequilíbrios, foi uma dessas janelas de vão largo com consequências transversais: no aumento das qualificações, na capacidade de inovação, na promoção da internacionalização, no fomento das atividades de investigação, etc. Todavia, sob a tutela da troyka, Portugal tem vindo a dar sucessivos passos atrás na trilha que vinha seguindo, tornando-se evidente que o caminho e o desiderato da aproximação estão comprometidos.

A União Europeia tem vindo a colocar o ensino superior e a investigação científica no âmago das suas prioridades. Ironicamente, uma das suas agendas mais emblemáticas (centrada no objetivo de tornar a Europa a economia do conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo), traçada para a primeira década do milénio, assumiu a designação de Agenda de Lisboa. Não se trata apenas de uma coincidência com o facto de Portugal assumir, pela altura da emergência dessa Agenda, a presidência do Conselho da UE. Para além das estratégias da União, há, na Agenda, a vontade do país em marcar um rumo em que o ensino superior é uma peça-chave. Parte da ironia está em que nem os muitos “canudos” que no seu crescimento o sistema de ensino superior produziu nos permitem ver a Lisboa que é Agenda.

É verdade que a UE, e Portugal ainda mais que a UE, ficou a ver a Agenda de Lisboa por um canudo, falhando todas as metas (excepto uma) que a Agenda fixou, para 2010, em matéria de educação. Todavia, Portugal, que veio de um atraso estrutural incomensurável, deu passos muito importantes nas últimas décadas.

Dos 216 doutoramentos concluídos em 1986, Portugal passou para 1606 doutoramentos concluídos em 2010. Das 6,6 publicações científicas por 100 mil habitantes em 1986, Portugal passou para 131,6 em 2011. Se a única meta para a educação alcançada pela UE no âmbito da Agenda foi o número de licenciados em matemática, ciências e tecnologia, é curial registar que, de acordo com o Eurydice, Portugal foi o país que registou o maior aumento, tendo o peso de licenciados nesta área (para o período 2001-2010) passado de 17% para 25% (um pouco distante da Finlândia – 32% – mas muito à frente da Holanda – 14%). Dados compilados pela FFMS mostram que os 106 mil alunos inscritos no ensino superior em 1986 eram já 396 mil em 2011 (embora fossem só 390 mil em 2012, a primeira redução registada desde a expansão do ensino superior). O número de diplomados passou de 18.600, em 1991, para 78.785, em 2011. Em 1990, o país despendia 6.814.826 euros em bolsas de ação social no ensino superior, quantia que se elevou a 163.287.914 euros, em 2010 (sendo reduzida para 130.657.929, em 2011 e ainda mais reduzida em 2012, como o atesta o relatório citado no Parágrafo seguinte e as declarações do CRUP, que atestam uma redução de 20 mil bolseiros nos últimos 3 anos, de 75 mil para 55 mil bolseiros).

O ensino superior foi durante décadas, em Portugal, o principal instrumento de mobilidade social ascendente. É hoje frequentemente estigmatizado por estar a produzir desempregados. Todavia, convém relevar que o relatório Education and Training Monitor 2012 salienta que possuir um grau de ensino superior acarreta benefícios duas a três vezes superiores aos custos públicos decorrentes da sua aquisição.

Mais de metade dos países da UE já alcançaram a desejada meta de garantir que 40% das pessoas que têm entre 30 e 34 anos possuem um grau superior de ensino. Em Portugal apenas cerca de 26% está nessa situação. A UE estima que, em 2020, 35% do mercado de trabalho seja preenchido por profissionais com qualificação superior, enfatizando que, se é verdade que os diplomados experienciam crescentes dificuldades de empregabilidade, é entre os diplomados pelo ensino superior que encontramos as mais elevadas taxas de empregabilidade. Este mesmo relatório confirma que, já em 2009, mesmo quando vários países europeus estavam em recessão, Portugal e a Roménia foram os únicos a reduzir o investimento no ensino superior, quando todos os outros países, apesar da redução da despesa pública, mantiveram ou aumentaram os orçamentos para o ensino superior. Dados do Eurostat de 2012 mostram que Portugal gasta em percentagem do PIB abaixo da média europeia (1,07% em Portugal contra 1,22% na UE). Alcançar os patamares da Agenda de Lisboa afigura-se como uma miragem.
Os cortes no ensino superior estão inequivocamente a promover o abandono e o absentismo dos alunos, estão a colocar as instituições em estado de agonia, estão a levar a uma redução do corpo docente (cerca de 1000 professores a menos em relação ao ano letivo transato), a um aumento dramático da idade média do corpo docente (o índice de envelhecimento – rácio-% – vai nos 98,5 contra 47,7 em 2001), a uma precarização que no ensino superior privado vem ganhando contornos de escravatura (e que no ensino superior público aparece travestida de “voluntariado”).



5. Professores tro/ik/cidados

O que tem mostrado a atuação deste governo para atingir o que dizem ser os objetivos do “memorando de entendimento” com a troika?

  • Precarização de parte do corpo docente, com incumprimento de normas aprovadas em diretiva europeia de 1999, que determina a vinculação laboral após 3 anos de contrato por parte de qualquer trabalhador. O MEC não cumpre;
  • Recusa do pagamento, devido por lei, aos docentes que terminam os seus contratos, sem razão, desrespeitando as decisões dos tribunais;
  • Colocação de muitos professores em mobilidade especial, pela atribuição dos chamados “horários 0”, abrindo caminho ao despedimento de quem vê desaparecer as suas atividades à vontade dos mandantes;
  • Pagamento de horas extraordinárias a preços ridículos, tempo por compensação por trabalho noturno a desaparecer, retirada de subsídios de férias e de natal - uma redução do rendimento líquido rondando os 30%. Estagnação salarial e de carreira;
  • Aumento desmedido de inscrições nos centros de emprego (71% mulheres) e 44% na zona norte (IEFP), entre 2010 e 2011. O Ensino foi a profissão que maior desemprego teve;
  • Aumento do número de alunos por turma, diminuindo assim os professores em funções e baixando os níveis de acompanhamento e de maior proximidade com os alunos. Um retrocesso inadmissível;
  • Processo de “revisão curricular” sem fundamentos legais, com disciplinas que desaparecem e outras que diminuem o número de docentes;
    Abandono do processo de certificação de adultos, anulando a importância da “Educação ao Longo da Vida”;
  • Inoperância dos centros de formação de professores, anulando-se os cursos que servem a sua atualização permanente;
  • Encerramento de escolas e criação de mega agrupamentos que eliminam a dimensão mais nobre da docência: a do acompanhamento e proximidade a cada aluno;
  • Absoluto desrespeito pelos profissionais que procuram, com prejuízo das suas pensões, abandonar a profissão. Mais de metade dos pedidos de reforma apresentados por todos os funcionários públicos até final de 2012 são de professores.

É óbvio que o atual governo tem a sua própria leitura do memorando da troika e que vai mais além, subjugando a Educação aos parâmetros financeiros de curto prazo, erro crasso que marcará uma geração pois os reflexos no setor são sempre sentidos a longo prazo.
Cabe aqui repetir a frase tantas vezes dita: “Se a Educação é cara, experimentem a ignorância”.
Os docentes vivem hoje um clima nas Escolas reflexo de uma sociedade deprimida, pronta a explodir face a acontecimentos de reduzida importância.

A mediação nem sempre é possível e, embora muitas situações sejam silenciadas por diretrizes superiores, a violência é sentida e chega ao conhecimento de todos.
Fomenta-se um Ensino que exige uma prática intensa de resolução de testes para melhorar a prestação dos alunos nos exames, pois existe a ideia de que as Escolas são tanto melhores quanto mais alta é a sua posição no ranking.
Como diz de forma insuspeita Diane Ravitch3, “As nossas escolas não melhorarão se apenas valorizarmos o que os testes medem”, acrescentando que “…não melhorarão se nos continuarmos a focar apenas na leitura e na matemática enquanto ignoramos as outras disciplinas que são elementos essenciais de uma boa Educação (…) O objetivo da Educação não é produzir resultados elevados, mas educar crianças para serem pessoas responsáveis com mentes bem desenvolvidas e bom caráter (…). Teremos de nos assegurar que os nossos alunos mais necessitados têm professores bem formados, pequenas turmas, instalações bonitas e um currículo rico em artes e ciências. (…) Como nação, necessitamos de um sistema de Educação público forte e vibrante… é um elemento fundamental da nossa sociedade democrática”.
Entre nós, acontece o contrário: o que se construiu nas últimas décadas é visto por um prima estreito e tecnocrata, sem alma nem alcance. Ensina a todos como se fossem um só, excluem-se, mudam de rumo. Isto não significa, de modo algum, que não haja professores e equipas resistentes, movimentos pedagógicos e espaços de esperança.
Apenas queremos sublinhar as políticas educativas do governo PSD/CDS ao serviço da troika, adivinhando-lhe os desejos e fazendo o papel de bom aluno “reverente e obrigado” que ultrapassa sempre os pedidos do “professor”.
Os professores têm vindo a sofrer uma brutal compressão nas horas disponíveis para o desenvolvimento das suas atividades4, o que os obriga a utilizar tempo da sua vida pessoal a favor do exercício profissional que querem dignificar.
Já em 2006 Gomes et al. mostravam que 30% era afetado pelo stress, verificando-se situações de burnout (esgotamento físico e emocional) em 13%; Em 2010, Rita, Patrão & Sampaio afirmavam que no Secundário os professores são “…colocados perante níveis de exigência e expectativas superiores para a execução do seu papel” e no Básico “…sentem maior dificuldade na gestão dos conflitos com os pais e com a escola”.
Ainda em 2010, Correia, Gomes & Moreira aconselhavam, face ao problema descrito, a análise da redução dos alunos por turma e a limitação da carga de trabalho para se cumprir o n.º de horas de serviço por semana.
O estudo da OCDE5, já com dados de 2008, afirmava que em termos de horas de estudo [Portugal 752, média OCDE 661, média da UE (a 19 países) 632] Portugal se situava no patamar mais elevado dos valores apurados, tal como em tempo de trabalho dos professores [1261, média OCDE 1166, média da UE (a 19 países) 1108].
Tendo presente o que já foi descrito, que dá conta dos atropelos entretanto cometidos, a tese de que os docentes trabalham pouco mostra que o que se vai dizendo são afirmações mentirosas de quem tem um plano ideológico para concretizar, que colide com a realidade e que teima em não permitir que a evidência seja demonstrada.


6. A Pobreza na Escola

A crise financeira atual está a afetar Portugal severamente, com significativo impacto nos recursos disponíveis para a Educação”, OCDE, Revisão da Avaliação da Educação em Portugal, 2012.

Desde 2011, a maioria dos cidadãos portugueses está cada vez mais empobrecida, financeira e socialmente, e defraudada nos seus direitos: direito ao emprego, à Educação condigna dos filhos e, em muitos casos, ao próprio sustento das suas famílias.
O aumento constante do desemprego, desde 2008, atirou 9% da população portuguesa para uma situação de privação material severa (Eurostat, 2012). Como resultado, em 2011, 18% da população portuguesa encontrava-se em risco de pobreza (Eurostat, 2012).
No 4º trimestre de 2012, a taxa de desemprego estimada foi de 16,9% (INE, 2013): a população desempregada já ultrapassou as 900.000 pessoas.
A Caritas Europa, em Dublin (2013), revelou dados que mostram que, em 2012, entre a população ativa em situação de emprego, em Portugal, o risco de pobreza é de 10,3%, para uma média europeia de 8,4%.
Se incluirmos na análise outras dimensões, verificamos que, no que se refere ao risco de pobreza, persiste uma maior vulnerabilidade por parte das mulheres (18,4%) face aos homens (17,3%), das pessoas com mais de 65 anos (21%) e das pessoas com menos de 18 anos (22,4%). Entre todos, os mais perto do limiar da pobreza são os idosos que vivem sozinhos e as famílias constituídas por dois adultos com três ou mais filhos (Eurostat, 2012). Mas a vulnerabilidade e o risco tocam, também, as famílias monoparentais e os casais em que ambos os cônjuges se encontram desempregados.
Paralelamente, o fosso entre pobres e ricos em Portugal é o maior no conjunto dos países da União Europeia, sendo o rendimento dos dois milhões de portugueses mais ricos do país quase sete vezes maior do que o rendimento dos dois milhões de pessoas mais pobres.
O Report Card 10, produzido pelo Gabinete de Investigação da UNICEF, debruça-se sobre a pobreza e privação infantis no mundo industrializado, comparando e alinhando os países de acordo com o seu desempenho, em que se declara que os dados disponíveis provam que um número demasiado elevado de crianças continua a não ter acesso a variáveis de base em países que têm meios para as proporcionar.
Neste quadro, a Roménia e a Bulgária são os países que apresentam as taxas de privação mais elevadas (70% e 50% respectivamente) seguidos por Portugal com uma taxa de 27%; “ …não proteger as crianças dos efeitos da crise económica e financeira nos dias de hoje é um dos erros mais caros que uma sociedade pode cometer” (UNICEF, 2012).
Em Portugal, o maior problema de privação das famílias é ao nível financeiro (43,3% na alimentação e bens essenciais), seguindo-se os tempos livres (29,4% - ausência de atividades culturais e ou desportivas), o domínio social (26,4% - enquadramento, conforto – há muitas crianças a viverem sózinhas com irmãos pouco mais velhos) e a Educação (25,8%).
Já em 2011 se manifestava esta privação, em que cerca de 40% dos alunos dos ensinos básico e secundário beneficiaram da ação social escolar, tendo mais de metade destes alunos recebido o apoio máximo, ou seja refeições, livros e material escolar inteiramente pagos (Relatório CNE, 2011).
No início do ano letivo de 2012/2013, diversos órgãos de comunicação social noticiavam que cerca de 13 mil alunos estavam sinalizados pelo programa de reforço alimentar nas escolas. Segundo diversas notícias na imprensa escrita e outra, em 2012, muitas escolas mantiveram as suas cantinas abertas no período das interrupções letivas, para fornecerem refeições às crianças de famílias mais carenciadas.
Nos últimos dois anos o orçamento da Educação desceu de 5,7 para 3,8% do PIB, colocando Portugal num dos últimos lugares, entre os seus pares europeus, o que naturalmente fragiliza o sistema educativo.
O orçamento de Estado para 2013 contemplou um novo corte na Educação, superior a 700 milhões de euros, a que acresce as consequências do corte suplementar de 4.000 milhões de euros para as funções sociais do Estado, anunciado pelo atual governo.


7. A Educação de adultos: não há segunda oportunidade

Facilitar e generalizar o acesso à Educação e à Formação em todas as fases da vida foram, em 2011, as recomendações da Comissão Europeia aos Estados-membros sobre a Educação/Formação de Pessoas Adultas. Empenhado nestes desígnios, Portugal realizou, nas últimas décadas, um significativo esforço de qualificação da população, apesar de ainda se encontrar distante de grande parte dos países da União Europeia e da OCDE.
Em 2000, criou-se a ANEFA (Agencia Nacional de Educação e Formação de Adultos), articulando o Ministério da Educação e o do Trabalho e Solidariedade Social (então assim designado). O objetivo, para além da criação de cursos articulados de Educação e Formação Profissional (EFA) para Adultos, era o da construção rigorosa de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. Eram necessários critérios de saberes passíveis de serem equivalentes a graus escolares e eram necessários formadores capazes de conduzir o trabalho. Como o nome indica, o objetivo era o de reconhecer e validar competências adquiridas ao longo da vida (no trabalho, na vida cívica, na emigração, etc., etc.) para efeitos escolares e/ou profissionais, com integração no plano de estudos de todas as dimensões do conhecimento.
Mais tarde, com a vontade de que milhares de adultos adquirissem rapidamente o 12º ano (OCDE oblige!), o governo batizou-os (nome feliz) de Centros de Novas Oportunidades (CNO), para os quais foram precisos muito mais formadores e que passaram a funcionar em associações, cooperativas, centros empresariais e também em muitas escolas e constituíram um estímulo e apoio efetivos à procura de Novas Oportunidades de Formação e Certificação para Adultos.
Respondia-se assim à necessidade de Portugal vencer o ciclo longo de atraso nacional na qualificação da população adulta, face aos outros países desenvolvidos, havendo cerca de 430 Centros Novas Oportunidades em todo o país. O trabalhador português, frequentemente pouco qualificado e raramente diferenciado, possui habilidades no “fazer” e mesmo no pensar o que fazer, mas nunca obteve formação certificada que o preparasse para o desempenho. Não tendo obtido a escolaridade mínima, não acede à formação de aperfeiçoamento profissional, de atualização ou mesmo de progressão, porque lhe faltam qualificações académicas. Mas este trabalhador sabe o que faz e porque faz. Pode não saber fundamentar cientificamente o processo do “saber fazer”, mas possui um saber de experiência feito, que se afirma como um percurso formativo diferenciado, reconhecível e avaliável. Há muitos anos que sabemos que a separação entre “a mão” e “o cérebro” foi uma criação da história e da ideologia.
Os CNO proporcionaram melhoria efetiva dessas competências adquiridas, nomeadamente a literacia (leitura, escrita e comunicação oral) e e-competências (uso de computador e internet). A percentagem de utilizadores de internet elevou-se de 67% para 83% para usos pessoais e profissionais. Houve igualmente uma melhoria generalizada das softskills: competências pessoais e sociais, cívicas e culturais assim como se evidenciou um forte reforço da auto-estima e da motivação para continuar e (re)“aprender a aprender”.

A iniciativa captou forte adesão dos adultos e cedo se percebeu a existência de uma cada vez maior procura dos cursos de Educação-Formação, com grande impacto junto de desempregados com menos de 40 anos. É também referida, frequentemente, uma maior estabilidade de emprego e alargamento de competências por todos os que têm realizado este investimento formativo.

Os Centros de Novas Oportunidades constituíram-se como a "porta de entrada" dos adultos para novas qualificações, respeitando e valorizando o seu perfil individual, e as competências escolares e profissionais adquiridas ao longo da vida, em contextos formais, não formais e informais. Segundo a Agência Nacional para a Qualificação, houve centenas de milhares de certificações totais entre 2006 e 2012, bem como certificações parciais e encaminhamentos para outras ofertas formativas, tanto nos CNO como nos cursos EFA e ainda nas formações modulares certificadas. Com ajustamentos certamente necessários, tínhamos respostas diversas para um povo que revelou em 1996 (1º Estudo Nacional de Literacia) imensas fragilidades na sua qualificação e nas suas competências da vida letrada.

Desde a entrada em funções do governo PSD/CDS, dos 430 CNO espalhados pelo país, 129 foram encerrados, por asfixia financeira, ao longo do 1º semestre de 2012; os restantes 301 continuaram em funcionamento até agosto de 2012, data limite para uma morte sobejamente anunciada e divulgada.
Foi encomendada a uma equipa do ensino superior (IST-CEG) uma avaliação cujos resultados encheram os jornais dizendo que os certificados obtidos nos CNO não se tinham traduzido em melhores situações laborais (questão que nunca tinha constituído o principal objetivo). Dizer isto em 2012, em plena recessão económica, quando o desemprego chega aos 17,6%, se não é leviandade é vontade de terminar com a Educação de segunda oportunidade que todos os envolvidos elogiavam. É crime face ao saber e à Educação dos mais vulneráveis, dos mais pobres, dos “outros”, dos que, não sendo das elites, não estudaram durante décadas completando um qualquer MBA num país anglo-saxónico. Estudos, como o realizado por equipa da UCP (2009), amplamente divulgado nacional e internacionalmente e sujeito a rigoroso escrutínio por um painel de peritos internacional, mostram que os outros indicadores definidos pela equipa de avaliação (aumento da auto-estima, da auto confiança, aprendizagem ao longo da vida, despertar a curiosidade e a vontade de saber sempre mais, entre outros, transmitir esta atitude aos seus filhos) são preciosos e contribuem para termos um povo mais culto, mais esclarecido, mais interventivo.

Estas alternativas surgiram, no âmbito da Educação de Adultos, após os resultados muito insuficientes do Ensino Recorrente, cujo estudo o Ministério da Educação então encomendou. Era ineficaz, era caríssimo, apresentava desastrosas taxas de abandono!
Um adulto que conseguisse terminar o 12º ano por esta via teria custado ao erário público o mesmo que um estudante de Medicina. Mas extinguiram cegamente os CNO!
Fica o vazio (!) e nem o Ensino Recorrente, que reproduz o modelo escolar falhado tanto na 1ª como na 2ª oportunidade, permite hoje a qualquer adulto prosseguir os seus estudos.
Em Portugal, destruiu-se a segunda oportunidade de Educação de Adultos, apesar de termos, ainda, cerca de um milhão de analfabetos (dados do último censo do INE).


8. Para onde nos levam? Para o abismo da ignorância
A Educação está em perigo.

Duma escola pública com indicadores de qualidade, quer este governo PSD/CDS criar uma escola de elite (a dos filhos deles) e a dos “outros”. Voltaram os exames em todos os ciclos e as matérias tradicionais aumentaram as horas letivas. As atividades artísticas são para quem pode pagar, por fora. Isto salvo um ou outro exemplo que confirma a regra.
O nível de qualificação de um povo traduz a sua cultura e o seu conhecimento.

Educação não se limita a letras e a números. Educação é saber viver juntos, compreender e agir sobre o mundo em que vivemos.

A nossa maior capacidade em resolver os problemas individuais e coletivos depende da Educação. Estamos a perder! Perdemos em todos os campos.
Perdemos os jovens - e menos jovens - mais qualificados. Voltámos a ser um país de emigrantes. As escolas vivem tristes.
A mudança é instilada ao nível das práticas escolares pelo cansaço dos professores, pela sua funcionalização e pela precarização das suas condições de trabalho.

Nos últimos dois anos o desemprego docente cresceu 225%!
Da Escola - a “nossa Escola” - fizeram mega agrupamentos com mais de 4.000 alunos. A identidade das pessoas não tem qualquer valor para este governo.
É urgente chamar a atenção para a extensão e intensidade da pobreza e dos problemas que envolvem a Educação no Portugal de hoje, com reflexos inquestionáveis no futuro, denunciando-os como um grave atentado ao desenvolvimento social, afinal, tão recentemente adquirido

A Educação - de que tão privados fomos no passado - é hoje vista pela troika como um CUSTO. Ora, a democracia precisa da Escola. Entre nós, que ninguém se esqueça da Educação quando reflete sobre o futuro. Ou não teremos futuro. A soberania já lá vai …. Portugal nunca superou a distância entre pobres e ricos. O Eurostat coloca-nos, quanto às desigualdades, a par da Roménia e pouco acima da Lituânia e da Letónia. Estamos a viver uma grave ameaça à liberdade, à participação cidadã, à democracia e à paz social. Quando um governo agrava a degradação das condições de vida do povo que “governa com mãos vazias de soluções”, está apenas a preencher o lugar que ganhou nas eleições, sem respeito pelos cidadãos do seu país. Daí que o momento de crise que estamos a viver exija, de todos, no desempenho dos seus diversos papéis - pessoais e coletivos - a prestação de contas e a exigência de um presente e de um futuro dignos.
Exige, de todos nós, lutas pequenas e grandes, sem esquecer nenhuma. Adormecer, aceitar em silêncio, curvar a cabeça, acreditar nos discursos que a TV despeja sempre pelas mesmas vozes é dar-lhes a vitória. Pelo Medo. Desistindo de nós.

Por isso, EDUCAÇÃO: LEVANTA-TE E LUTA.

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1 Ver eg. http://www.publico.pt/politica/noticia/nuno-crato-ainda-quer-implodir-o-seu-ministerio-1501062

2 Posição defendida nas Jornadas Parlamentares do PSD em 2011. Cf. http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=411926&tm=9&layout=123&visual=61

3 Ex-adjunta do Secretário da Educação de George Bush, no seu livro ‘A vida e a morte do grande sistema escolar americano: Como os testes e a escolha estão a minar a Educação’, analisado no American Educator (n.º 2, vol. 34, 2010)

4 Em anexo deixa-se documento sobre o horário docente para a perceção desta realidade.

‘Education at a glance’ (2010).

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