O que se passa com os Centros Novas Oportunidades? O Retorno ao Ensino Recorrente?! | What´s the problem with the New Opportunities Centers? The Return to Recurrent Education?!
Isabel Rufino. Artigo publicado em julho 2012
1. Apresentação – CNO e seus públicos
Perguntar sobre o que se passa com os Centros Novas Oportunidades (CNO) equivale a perguntar o que se passa em Portugal. Estas perguntas possuem três ordens de respostas: a dos que estão do lado do partido que estiver/está no governo (as ideologias) (i), a dos técnicos cujo seu trabalho (remuneração) depende das atividades em causa (ii) e a dos “outros” cidadãos, cidadãs (iii), que contribuem para a sustentação/remuneração dos empregos dos dois primeiros - (i) + (ii) -, incluindo aqui os políticos e os tecnocratas1 do sistema.
Vamos centrar-nos nos “outros” (iii) - olhando para as contas públicas percebemos que esses são aqueles que executam funções de produção de bens (da conceção aos processos, técnicas e tecnologias – na organização, produção e comercialização) a contribuir para equilibrar a balança de pagamentos e que estão realmente em minoria (numérica e no poder de decisão sobres as politicas públicas2) . Dentro das relações de poder, teremos que atender ao poder político, económico, religioso/espiritual e de conhecimento – obtidos pela via formal, não formal e informal. É dentro deste último, na atribuição do poder ao conhecimento, formalmente reconhecido por certificados de escolaridade que se enquadram as atividades dos CNO. Um CNO tem por missão ser um espaço de acolhimento e encaminhamento para processos formativos ou de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) de pessoas com mais de 18 anos, e que ainda não concluíram o ensino Básico e/ou Secundário3. Esta “escolaridade obrigatória” é um atributo e uma condição para acesso a empregos-trabalhos, ou a exclusão destes pela não certificação. Como os CNO trabalham com pessoas com mais de 18 anos, dizemos que é um centro de acolhimento e encaminhamento para formação e certificação de Adultos. Os CNO trabalham, assim, com adultos/adultas que se enquadram em último lugar na escala das relações de poder, numa sociedade hierarquizada pelo poder dos certificados, cada vez mais valorizados (mediante legislação) em concursos de emprego público – desde o varredor de ruas, a coveiros, a secretários, e por aí adiante, consoante os cargos. A excepção da exigência de certificação vai para os presidentes das organizações públicas eleitos ou elegíveis entre si, consoante os partidos no poder e os posicionamentos nas relações não formais dos jogos políticos. É evidente que aqui, apesar de tudo, os títulos atribuídos pelos certificados são uma mais-valia, visto que atribuem estatuto à pessoa - politico. Todavia, a não certificação não é fator de exclusão nesses empregos, nem influi no nível da remuneração.
A valorização/desvalorização de certificados está diretamente ligada à oferta e procura dos mesmos no mercado de trabalho, onde o crescimento do desemprego é a constante.
Enquanto diretora de um CNO e cidadã do mundo, onde para além da obtenção de diplomas com certificação escolar se aprendeu a ler os “sinais” do mundo – uma resultante da combinação de indicadores de vida (o pensamento em ação) –, acho mesmo que na resposta às perguntas iniciais o que melhor se pode dizer (face ao estado da situação) é “nada” dizer.
2. O que falta fazer na formação de adultos – números
O “nada” é o esvaziamento total - natural ou intencialmente induzido – parecendo ser esta última a intensão do atual governo pela total ausência de diretrizes aos CNO. Falar dos CNO, hoje, é falar do que não se passa. A avaliar pela queda do número de inscritos diríamos que a sua existência já quase não se justifica. Exemplificando: um CNO em que o número médio de inscritos mês foi de 49 pessoas (2010-2011), no ano 2012 a média de inscrições mensais é 15, uma queda de 76%. A média mensal de inscrições ao longo de 6 anos foi 63. Esse mesmo CNO, entre 2006 e 2011, teve um total de 4507 inscritos, dos quais 2658 foram sujeitos a encaminhamento ou certificados - distribuídos entre encaminhados para processos formativos (452) e certificados em RVCC (2206). As pessoas que obtiveram certificação distribuem-se pelos níveis Básico (1408), Secundário (611) e Profissional (187). Efetuando cálculos simples, verificamos que entre o total de inscritos e total dos encaminhados e/ou certificados (4507-2658), resulta um “deficit” de 1849 (41%) - pessoas que ainda não obtiveram o nível de certificação básico ou secundário, uma necessidade que esteve na origem da procura do CNO com a respetiva inscrição. Muitos destes inscritos procuravam formação EFA (cursos Educação e Formação de Adultos) que o sistema não teve capacidade de lhes proporcionar, dentro das suas condições de tempo disponível ou a disponibilizar na área geográfica. Acrescente-se que as deslocações são um problema para estes públicos, pelos custos que representam e pela ausência dos transportes públicos4. Trata-se, também, de um número muito elevado daqueles que não conseguiram completar o processo que haviam iniciado (motivos de indisponibilidades familiares5, laborais - duplos e triplos empregos, horas extra, emigração e migração, etc.). Estas pessoas, ainda por certificar (1849) e a carecer de acompanhamento em processos formativos, continuam a ser contatadas regularmente (nos casos que ainda não foram dados como desistentes) e são elas (se disponíveis) que estão em maioria a ter de acompanhamento por parte das equipas dos CNO. Resumindo:
- 1. Mantem-se a necessidade de continuar a formação de adultos/adultas com baixas qualificações e que pretendem dar continuidade aos seus projetos de formação e de reconhecimento, validação e certificação de competências. Tendo em conta a atual conjuntura e o momento de mudanças iminentes no quadro das decisões politicas, os CNO não sabem qual o melhor procedimento a ter com os candidatos que se inscrevem atualmente e que se encontram na etapa de diagnóstico e encaminhamento, e com aqueles que ainda não concluíram o processo RVCC.
- 2. Continua-se a respeitar a missão e objetivos subjacentes à intervenção dos CNO dado que não foram dadas diretrizes contrárias. Todo o trabalho da equipa é conduzido para dar resposta a toda a procura e aos que estão em processo - continuam a iniciar grupos no âmbito do processo de RVCC de nível Básico e Secundário.
- 3. Quando interrogados pelos adultos sobre a sua situação após agosto (data em que terminam os contratos de financiamento dos CNO), nos casos em que o processo não ficará concluído, afirmamos que como em qualquer outra modalidade de educação, formação e certificação a mudança a ocorrer terá que ser enquadrada nas respostas disponíveis e em conformidade com a legalidade – mais não podemos dizer.
O dados anteriores indicam-nos que:
- 1. As pessoas aderem à formação consoante as campanhas, tendo a comunicação social um efeito dominador, que ora se torna perverso, ora decoroso consoante os jogos de poder e a defesa de interesses pela proximidade dos órgãos de comunicação social com o sistema político.
- 2. Há forte correspondência entre na redução da taxa de inscritos e os períodos de maior crítica ao modelo, a culminar com a anunciada morte do modelo sem a necessária contrapartida efetiva.
- 3. Afinal, o RVCC não apresenta a simplicidade que se apregoa em alguma comunicação social, a aferir pela taxa de não sucesso em número de certificados face ao número de inscritos.
- 4. A procura de formação para cursos EFA, foi superior à oferta. O que não havia era a adequada distribuição das ofertas formativas no espaço geográfico, nem o ajustamento das medidas formativas às reais necessidades do mercado de emprego e das condições de vida das pessoas. A carga horária é demasiada para quem trabalha 40 ou mais horas semanais e, ainda, tem que prestar assistência à família e possui salários baixos que não lhe possibilita recorrer a outros serviços externos.
3. A formação de adultos, os CNO e o desemprego
Os CNO não criam emprego, é um facto, e a certificação só por si não é um fator de empregabilidade, até porque se assim fosse não crescia o desemprego de licenciados. O paradoxo é que a formação é uma necessidade face ao presente estado da sociedade do “não trabalho”. Se nos centrarmos, uma vez mais, nos dados dos inscritos num CNO, atendendo à evolução da taxa de desempregados ao longo dos últimos 4 anos, temos a taxa de desempregados a subir de 15% no biénio de 2008-2009, para 28,2% no biénio de 2010-2011 e 40,2% em 2012. Dos 4507 inscritos ao longo dos 6 anos deste CNO, 987 (21,9%) eram desempregados. Estes dados apontam para a necessidade de fazer a formação de adultos também em horário laboral. Tal facto mudou em muito os horários de trabalho da equipa, cuja formação e sessões de acompanhamento passaram da sua dominância inicial (99%) em horário pós laboral para uma queda acentuada onde 40% decorre em horário diurno.
Os dados do desemprego, crescente, alertam para a necessidade de a formação de adultos ser objeto de transformação, que oriente mais para um modelo de formação que incida na orientação para a construção de alternativas ao estado de dependência, a que toda a sociedade portuguesa parece estar sentenciada. Os espaços de formação devem ser espaços de exercitação de uma atividade em que a necessária ação implica a procura de conhecimentos, num modelo a construir em cada contexto (territórios local), e de forma refletida, onde a racionalidade siga a lógica do método científico (teorias, problemas, hipóteses, experimentação/verificação, análise dos resultados, teoria, problema e assim sucessivamente).
Formar perfis de pessoas livres, autónomas e conscientes, não parece ser o interesse dos sistemas educativos tradicionais. Os CNO carecem de reajustamento, não pelo que foi feito (modelo-metodologia) mas sim pelo que ainda falta fazer na formação permanente e ao longo da vida das pessoas adultas, de forma a criar reequilíbrios na mudança decorrente da evolução das técnicas e tecnologias (o estado da ciência-conhecimentos disponíveis e plausíveis) e que só por si geram desequilíbrios – a carecer de renovados modelos de sociedade a reinventar. A experiência dos CNO, o impato que teve na sociedade portuguesas, jamais possibilita o retorno ao ensino recorrente nos moldes em que ele decorreu – as pessoas são outras e muitas outras são as modalidades em jogo na sociedade do conhecimento, onde novas tecnologias proporcionam a formação permanente num processo de autoconstrução, autoformação. O modelo expositivo da formação presencial está a ser subalternizado pela Internet, resta-nos continuar a certificar as aprendizagens, por um lado, e a possibilitar aprendizagens em acção, experimentação – conciliadas com teorização, por outro.
Face ao desconhecimento sobre o que se propõe na continuidade da formação de adultos em Portugal, fica a interrogação sobre a melhor atitude a tomar face ao que não se passa (não se envolve, não se conhece/desconhece) nas propostas de continuar a formação das pessoas que estão inscritas, interessadas e disponíveis para a formação permanente e ao longo da sua vida.
Fica, ainda, uma interrogação maior: Interessa ao modelo de governação da sociedade assente na bipolarização dos fenómenos (dominados e dominadores - desempregados e empregados – alunos/formandos e professores/formadores – útil e fútil…) criar modelos de educação-formação que questionem o (um) sistema?
Os futuros (im)previsíveis parecem perspectivados no imediatismo de cada presente! Isabel Rufino (Diretora do CNO Barafunda)
Notas:
1 Nos quais se inclui a autora do artigo.
2 A não ser no voto, uma história muito bem contada (pelos efeitos produzidos na vida das pessoas) e que urge divulgar recorrendo aos registos escritos nos portefólios dos adultos/adultas certificados/as pelos CNO.
3 Alguns CNO possuíam ou possuem o papel de reconhecer, validar e certificar competências no campo na formação profissional, consoante estavam habilitados para o efeito.
4 Que ordem (revelada ou oculta) está a contribuir para o desaparecimento dos transportes públicos nos meios de província? Que ordem/desordem está a contribuir para a edificação de mega cidades?
5 Que modelo de gestão/organização socioeconómica está a estrangular a gestão dos tempos de vida das pessoas, impedindo-as de viver de forma continua e regular ao longo de cada dia tempos de trabalho e não trabalho, nos quais se inclui a educação- formação e tempos de lazer?