Observando... | Watching...
Rogério Manita. Artigo publicado em dezembro de 2012
Fundadas dúvidas se colocaram quanto à legalidade da denominada ‘Revisão curricular’, publicada através de um Comunicado do Ministério da Educação (ME).
De facto, a legislação da Revisão curricular do Ensino Básico emana do Decreto-Lei (DL) 209/2002 e a do Ensino Secundário do DL 74/2004, que não foram revogados, nos quais se incluíam as Áreas Curriculares Não Disciplinares (ACND), como o Estudo Acompanhado, a Área de Projeto e a Formação Cívica.
Estas ACND permitiam trabalhar os conhecimentos transversais que a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) considera que devem ser ministrados.
Acresce que especificamente para a Educação Sexual foi publicada a Lei 60/2009, que igualmente determinava que seria naquelas que esta temática deveria ser abordada.
Existirá legitimidade para um Governo pôr em prática as suas opções nas diversas áreas de governação, num discurso que passa agora na Educação pelo reforço das Áreas Disciplinares fundamentais, havendo apenas que saber se tais ideias foram sujeitas a sufrágio em programa eleitoral que tenha sido proposto…
Mas que através de um Comunicado um Ministério pretenda ignorar dois DL e uma Lei parece constituir um desrespeito pelo Estado de Direito e pela própria Democracia, pois não é defensável que qualquer governante possa transmitir a ideia que as Leis não são para cumprir, tanto mais que o mesmo poderá acontecer às que mandar respeitar.
Como se sabe, as consequências para os docentes traduziram-se num fardo muito pesado, com os inúmeros despedimentos que entretanto se verificaram.
A narrativa procura acentuar o caráter transversal da Educação para a Cidadania, simulando-se o cumprimento do determinado na LBSE através de uma oferta nos 7.º e 8.º anos de disciplina, por decisão das Escolas, congruente com o Projeto Educativo.
Procura-se ainda mostrar deste modo o propalado aumento da autonomia das Escolas na gestão do currículo e a maior liberdade de escolha das ofertas formativas…
Mas não se pode deixar de observar que se começou o ano letivo com as metas definidas apenas para as disciplinas de Português e Matemática, as consideradas fundamentais para a conceção de Educação perfilhada, para além das daquelas que sofreram alterações decorrentes das transformações efetuadas no âmbito curricular.
Mas parece ser lógico fazê-lo sem uma reformulação dos programas que se diz ser para efetivar posteriormente? E pode-se começar um ano letivo sem sequer se encontrarem definidas as metas para as restantes disciplinas?
Diz o ME nesta ‘Revisão curricular’ que a irá aprofundar, definindo ‘objetivos claros, rigorosos, mensuráveis e avaliáveis’, entendendo-se que não estarão concretizados, levando a não perceber por que não foi esta a área em que primeiro se trabalhou…
Mais, com todos os cortes efetuados, torna-se difícil perceber como se darão as também referidas ‘melhoria do acompanhamento dos alunos e deteção precoce de dificuldades’! E será que a propalada ‘melhor avaliação’ se faz apenas à custa de exames?
Deixa-se para outras observações matérias tão importantes como as relativas à gestão das Escolas e à sua estrutura organizacional, as questões relativas ao exercício da profissão docente, como o horário de trabalho e a avaliação do desempenho, mas também as que se relacionam com o funcionamento, como a dimensão das turmas e a falta de pessoal auxiliar, bem como as opções tomadas ao nível da formação de adultos.
Nesta observação, pelo descrito, por um lado não parece coerente nem sustentada a aposta que se diz ter sido feita nas Áreas Disciplinares e, por outro, no que às ACND diz respeito, apetece dizer recordando o poeta
‘E à transversalidade Senhor, porque lhe dás tanta dor, porque padece assim’… Rogério Manita (Professor dos Ensinos Básico e Secundário, Biólogo, Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental e Doutorando em Educação, Equiparado a Bolseiro)