Artigo

Uma Escola: dois olhares | One school: two views

Maria Paula Rodrigues. Artigo publicado em setembro de 2012

Numa perspetiva pessoal, como professora do Ensino Básico no ativo e como formadora de docentes, tenho atualmente dois olhares sobre uma Escola em mudança não consensual. Falar de mudança é identificar insatisfação no sistema e essa existe desde que me conheço como profissional na área da Educação, há vinte e um anos. Cada ano letivo é uma surpresa repleta de novas formas de recrutamento de professores, novas condições no acesso e na progressão na carreira, mudanças de escola e novas formas de trabalhar, agrupamentos de escolas, mega agrupamentos de escolas, cortes nos salários e subsídios, aulas em parceria, aulas sem parceria, alterações de cargas horárias, alterações curriculares, novos manuais, novos programas ou reformulações aos programas, metas de aprendizagem, metas curriculares. Mudança… mudança… mudança! Uma insatisfação política, social, profissional, pessoal?! ...
Parece difícil identificar a constante necessidade de mudança face à não concretização de ideias e de programas de trabalho, por falta de tempo para a sua sementeira, germinação, disseminação e avaliação. Contudo, dado o marasmo em termos de valores sociais e pessoais que a sociedade ocidental atravessa e a crise económica vivida, a película apresentada nada mais é que o reflexo de uma sociedade em confronto, procurando um rumo que teima em não aparecer.
Apesar do panorama de “cegueira branca” (Saramago, 1998), do desapontamento e das penalizações, aqueles que escolheram como missão a partilha de saberes continuam – como eu – a acreditar que é possível construir uma Escola onde se aprende refletindo e explicitando conhecimentos, a partir da criação de ambientes de aprendizagem onde é privilegiada a interação.
Aqui inicio uma viagem em duas vertentes distintas: a Escola onde existe vontade de aprender e partilhar e a Escola onde falta a persistência de continuar a acreditar.
A primeira, ao contrário do que muitos possam pensar, está bem viva!
Continua a existir nos professores muita vontade de aprender e de levar até às salas de aula dinâmicas motivadoras e tarefas apelativas que contribuam para o sucesso dos alunos e sobrevivência da escola pública. Posso testemunhá-lo a partir do Programa de Formação Contínua em Matemática para Professores do Ensino Básico 1º e 2º Ciclos (2005 – 2011), do Plano de Ação da Matemática (2007 – 2012) e das oficinas de formação sobre o Programa de Matemática do Ensino Básico (2007) que tenho dinamizado na Zona Metropolitana de Lisboa e Região Oeste.
Trabalhando, ao longo de sete anos, com professores de diferentes níveis de ensino, na área da matemática, dentro e fora das salas de aula, pude constatar que há numa grande maioria dos profissionais uma vontade inacreditável de se superarem e de se sentirem realizados na profissão que escolheram. É com empenho que participam nas sessões de trabalho, realizando, analisando e discutindo tarefas do ponto de vista matemático, didático e curricular. É com satisfação e vontade de alterar práticas que se comprometem a planificar aulas e a receber um outro professor dentro das suas salas, gerando interação e trabalho de parceria, no sentido de crescer profissionalmente, a partir do conhecimento de novos documentos curriculares, orientadores da prática pedagógica, e da partilha com pares pedagógicos.
Sete anos de empenho, de motivação, de perseverança e persistência e… de melhores resultados. Percebe-se e comenta-se o interesse renascido nos alunos pelas aulas de matemática, o gosto, a capacidade de refletir e comunicar ideias e raciocínios… percebe-se e comenta-se a nova matemática, capaz de formar alunos críticos, observadores e criativos com quem o professor também é capaz de aprender! Nasce a esperança de deixar de estar perante crianças e adolescentes amorfos e acríticos e tornar a arte de aprender e ensinar um ato de partilha, para o qual todos podem contribuir. Agora, parece que vamos conseguir!
Eis senão quando…
Um programa curricular para o ensino da matemática e um conjunto de metas curriculares para a mesma área coexistem e são absolutamente contraditórios.
Mais um ano, mais mudanças e, desta feita, contraditórias!
Que olhar? Como atuar?
A vontade persiste mas a incerteza instala-se e as atuações são postas em causa, bem como as aquisições feitas, dispensadas.
Afinal, que entendimento podemos ter, que currículo podemos assumir? Que jogo de protagonismos se projeta em documentos que querem penetrar a alma da Escola?
Queremos seres pensantes e atuantes como preconizam o PMEB (2007) e as Metas de Aprendizagem (2011) ou apenas indivíduos a quem é mantida “ a casquinha intacta” (Ferreira, José Gomes, 1968) mas a quem apenas é exigido um conjunto de regras e procedimentos, sempre prontos a aplicar sem questionar, apresentados pela mudança contida nas novas Metas Curriculares (2012)?
Uma Escola: Que olhar? Teremos força para resistir de pé, ancorados nas nossas convicções? …
Restam-nos olhares singulares e condutas individuais assentes em crenças defensáveis, construídas a partir de experiencias pessoais estruturadas e geradoras de sucesso.
Pessoalmente, vou continuar a fazer aquilo em que acredito e que representa um percurso de vida, tanto pessoal como profissional. Com os meus alunos, independentemente da incessante procura, quero construir e debater valores, analisar pontos de vista, criar conhecimento e gerar interação, apostar numa Escola onde é privilegiada a autonomia, a responsabilidade e o direito à diferença. Outros haverá para quem o caminho não será determinantemente o mesmo.
Eu, por mim, apelo à autonomia intelectual crítica própria de agentes educativos e a que da união e do Conhecimento façamos a nossa força. Maria Paula Rodrigues

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