[Freire, Paulo. (1993). Política e Educação. São Paulo: Cortez Editora.]
Paulo Freire (1921-1997) foi um importante pedagogo, filósofo e teórico da educação, brasileiro cujas (des)construções teóricas e práticas alimentaram (alimentam!) o sonho de uma educação progressista e democrática. Das suas obras ressalta uma epistemologia da curiosidade que sustenta a utopia de um outro mundo possível, mais inteiro, mais tolerante, mais responsável.Paulo Freire (1921-1997) foi um importante pedagogo, filósofo e teórico da educação, brasileiro cujas (des)construções teóricas e práticas alimentaram (alimentam!) o sonho de uma educação progressista e democrática. Das suas obras ressalta uma epistemologia da curiosidade que sustenta a utopia de um outro mundo possível, mais inteiro, mais tolerante, mais responsável.
Carlos Alberto Torres em “Paulo Freire: Política e Pedagogia” referia-se ao “amigo” (p.50) como o pedagogo que “iluminou a necessidade de desenvolver uma pedagogia ética e utópica para a mudança social.” (1998, p. 50) Em “Política e Educação” (1993) a mudança social é revisitada por Freire, pela conscientização dos processos de politização da educação.
Aos fazedores de política e em particular aos que desvelam as práticas educativas e curriculares cabe-lhes o exercício de uma prática corresponsável, assertiva e implicada nos processos de transformação social potenciados pela educação. Ao desenvolvimento dessa prática e da reflexão teórica é essencial a crítica fundamentada. Freire (1993) alerta para o facto de que “é impossível estar no mundo, fazendo coisas, influenciando, intervindo, sem ser criticado.” (p. 59)
Na educação, que não neutra, porque politizada, a crítica fundamentada e eticamente responsável alicerça a prática educativa e as suas demandas posicionam-se como princípios potenciadores da emancipação social. Para Paulo Freire problematizar é um acto constante no educador progressista. É através de uma educação problematizadora que se age no sentido da transformação social. O educador crítico, democrático e progressista é chamado a agir no e com o contexto tempo-espacial onde predispôs-se a estar implicado, a envolver-se a projetar-se, a ser ele próprio.
Enquanto cidadão, entendido por Freire (1993) como o “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado” (p. 45), o educador deve obrigatoriamente assumir a politicidade da sua prática. Isto compromete-nos com uma leitura crítica do mundo, da escola e dos curricula em particular, onde as ideologias neoconservadoras e neoliberais tendem a miopizar a práxis educativa.
Num momento da história da educação em Portugal onde os decisores políticos tendem a traçar um caminho que aproxima a escola portuguesa dos modelos de ensino inglês e norte americano, é dever do educador, daquele cidadão comprometido com uma acção transformadora, interrogar-se sobre os equívocos de políticas educativas transplantadas, acéfalas no contexto e cuja dicotomização dos curricula em áreas nobres e restantes é nefasta aos tão fadados discursos de uma escola para todos, da igualdade de oportunidades e da educação inclusiva.
“Um dos obstáculos à nossa prática está aí. Vamos às áreas populares com os nossos esquemas “teóricos” montados e não nos preocupamos com o que sabem já as pessoas, os indivíduos que lá estão e como sabem.” (Freire, 1993, p. 58)
Segundo Freire (1993) aquela justaposição de práticas por aproximação de contextos diferentes é ineficaz. Isto é, “a intervenção é histórica, é cultural, é política [e] por isso (...) as experiências não podem ser transplantadas mas reinventadas.” (p. 48) Para essa reinvenção de princípios válidos é imprescindível não omitir a participação dos principais agentes educativos nos processos de concertação de estratégias, até porque como educadores, somos incompreensivelmente sujeitados a “conhecermos a síntese antes de experimentarmos o embate dialético entre a Tese e a Antítese” (Freire. 1993, p. 34).
Em “Política e Educação” (1993) Paulo Freire desvela uma verdade inquietante às classes dominantes, que nos fará emergir de uma espécie de “cansaço existencial” (p. 50), bem como de uma “anestesia histórica” (p. 50) que nos miopiza e faz-nos desacreditar que enquanto houver pessoas a história é possível de ser (des)construída. “A História é tempo de possibilidade e não de determinações” (Freire, 1993, p. 35) e isso implica pensarmos a educação como um espaço de alternativas.
A profundidade do acto de dominar mostra-se vulnerável perante a prática educativa que se alicerçando na consciente politicidade dos seus actos é uma plataforma sustentada e problematizadora da transformação social. Enquanto reflexão político-pedagógica, o livro incute-nos a avaliar as políticas educativas numa acção dialógica que põe em confronto a escola e a sociedade.
Neste sentido, Paulo Freire disserta sobre o potencial das Cidades enquanto espaços educadores atribuindo-lhes um estatuto relevante na educação permanente das pessoas. Refere-se às cidades como espaços de cultura e de criação nos quais a educação permanente de homens e mulheres apresenta-se não como condição ideológica ou política, mas permanente “na razão (...) da finitude do ser humano [e] da consciência que ele tem da sua finitude.” (Freire, 1993, p. 20) Porque somos seres incompletos, curiosos e conectivos (na Concepção Antropológica de Freire), as cidades mostram-se como espaços propiciadores de educação e a abertura da escola a este contexto que as acolhe manifesta-se como fundamental.
Paulo Freire elenca um conjunto de situações que obstaculizam a prática democrática dos educadores progressistas e que minam o verdadeiro sentido da sua educação problematizadora e transformadora. Esta educação progressista e democrática, que não é neutra nem tampouco apolítica, manifesta-se contra as práticas educativas: 1) que não tomam “em consideração o conhecimento de experiência feito com que o educando chega à escola” (Freire, 1993, p. 70) ridicularizando aqueles que respeitam esse saber, rotulando-os de populistas, focalistas e licenciosos (p. 71); 2) que se alicerçam em atitudes autoritárias e arrogantes face a outros conhecimentos que não o chamado científico; 3) que consubstanciam o processo de ensino-aprendizagem como uma acção unilateral e que se fundamenta no magister dixit; 4) que se isolam da relação dialógica com o mundo que rodeia a escola, os seus saberes, as suas experiências, as suas idiossincrasias; 5) que reforçam posturas pedagógicas e curriculares autoritárias; 6) e que se baseiam em “pacotes conteudísticos” (p. 71) padronizados que transpiram ideologismos políticos.
Em “Política e Educação” (1993), Freire constitui um manifesto em prol da autonomia das escolas e dos educadores, bem como da sua formação permanente, congruentemente alicerçada nas dimensões científica, pedagógica e política. Todavia, “em lugar de apostar na formação dos educadores o autoritarismo aposta nas suas “propostas” e na avaliação posterior para ver se o “pacote” foi realmente assumido e seguido.” (p. 72)
“Política e Educação” (1993) apresenta-se como um livro actual e desafiante à acção política de educadores e educadoras comprometidos e implicados com a sua prática educativa e com o desejo de, lendo criticamente o mundo, educar na problematização e transformação social. Como disse Freire, aquando a sua passagem pela Secretaria da Educação da cidade de São Paulo (Brasil), o nosso empenho em prol de uma educação progressista e democrática é um contributo sério para a “mudança da cara da escola.” (Freire, 1993, p. 107)
Nuno Silva Fraga